UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

 

Faculdade de Direito Porto

 

 

 

 

Responsabilidade Civil 

por 

Acidentes de Trabalho

 

 

Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Comerciais

 

 

 

Relatório apresentado por: Agostinho Machado

 

em  DIREITO DO TRABALHO

 

 

 

PORTO 2003

 

 

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ÍNDICE

 

      Abreviaturas e modo de citar

  1. Delimitação do objecto e método da investigação

  2. Sistemas de reparação dos danos por acidentes de trabalho

2.1.  Sistema de responsabilidade civil

2.1.1.      Responsabilidade subjectiva, delitual ou aquiliana

2.1.2.      Responsabilidade contratual

2.1.3.      Responsabilidade objectiva ou pelo risco

2.1.4.      O seguro social de responsabilidade civil obrigatório

2.1.4.1. O seguro quanto à forma de administração

2.2.  Sistema de segurança social e sistema no-fault

2.2.1.      Substituição da responsabilidade civil pelo seguro ou contribuição social

2.3.  Caracterização do sistema português

2.3.1.      Com controle ou fiscalização jurisdicional

2.3.1.1. Fase conciliatória

2.3.1.2. Fase contenciosa

  1. Génese e evolução legislativa

3.1.   Introdução

3.2.  Fontes do direito dito infortunístico

3.2.1.      A CRP de 1976

3.2.1.1. O direito constitucional à saúde e à segurança

3.2.2.      Os tratados e convenções internacionais

3.2.3.      Legislação ordinária

3.2.4.      Convenções colectivas de trabalho

3.2.5.      O contrato individual de trabalho

3.2.6.      A jurisprudência e a doutrina

  1. Conceito e natureza jurídica de acidente de trabalho

4.1.  Noção de acidente de trabalho

4.2.  Natureza jurídica da prestação laborativa

4.3.  Tipo de acidentes em especial

4.3.1.      Acidente de percurso ou acidente in itinere

4.3.2.      Em execução de serviços espontaneamente prestados

4.3.3.      No exercício de direito de reunião e actividade sindical

4.3.4.      Em virtude de formação profissional

4.3.5.      Em actividade de procura de emprego com crédito de horas

4.3.6.      Fora do local e tempo de trabalho em caso especiais

4.3.7.      Em situação de greve

4.3.8.      Acidente com lesão ou incapacidade anterior

  1. Responsabilidades do empregador e seus representantes

5.1.  Responsabilidade subjectiva, delitual ou aquiliana

5.1.1.      Critério de apreciação da culpa

5.1.2.      Responsabilidade civil conexa com a criminal

5.2.   Responsabilidade contratual

5.2.1.      O dever do empregador garantir a segurança e a saúde do trabalhador

5.2.2.      A responsabilidade da ETT

5.3.  Responsabilidade objectiva ou pelo risco

  1. Causas de exclusão, limitação e ampliação da responsabilidade

6.1.  Acidente de trabalho por culpa do lesado trabalhador

6.1.1.      Devido a dolo

6.1.2.      Que provier da violação das condições de segurança

6.1.3.      Que provier exclusivamente de negligência grosseira

6.1.3.1. Critério de apreciação em concreto

6.1.3.1.1.      Nos acidentes de viação simultaneamente acidentes de trabalho

6.1.4.      Resultado da privação permanente ou acidental do uso da razão

6.1.5.      Devido a predisposição patológica ocultada

6.1.6.      Dever de evitar o agravamento do dano do acidente

6.2.  Por motivo de força maior

6.3.  Por facto de outro trabalhador ou de terceiros

6.3.1.      Acidente de trabalho e acidente de viação

6.3.1.1. Princípio da não acumulação da indemnização

6.4.  Exclusão ope legis da responsabilidade

6.5.  Ampliação contratual da responsabilidade

6.6.   Princípio da obrigatoriedade da prestação dos primeiros socorros

  1. Ónus da prova e nexo de causalidade entre o facto e o dano

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MODO DE CITAR E ABREVIATURAS

 

 

 

Os autores citam-se pelos nomes e apelido, tal qual que vêm mencionados nas respectivas publicações ou então, pelo nome que são mais conhecidos. O nome da obra aparece em itálico, acrescido da editora e do ano de publicação ou da edição. Quando se cita mais que uma vez um autor e obra, a esta faz-se referência abreviada, omitindo-se a editora e a publicação. As notas de roda-pé, não aparecem de modo sequencial, desde o início do relatório até ao seu final. Aparecem parceladas e por áreas temáticas, atenta a natureza da numeração automática do processador de texto e a elaboração do relatório.

 

 

 

  Ac.

  AD

  BMJ

  BFDUC

  BGB

  CJ

  CPC

  CPT

  CRP

  DL

  LAT

  PGR

  RDES

  RLJ

  ROA

  RT

  STA

  STJ

 

 

  Acórdão

  Acórdão Doutrinas do Supremo Tribunal Administrativo

  Boletim do Ministério da Justiça

  Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

  Código Civil Alemão

  Colectânea de Jurisprudência

  Código de Processo Civil

  Código de Processo de Trabalho

  Constituição da República Portuguesa de 1986

  Decreto-lei

  Lei dos Acidentes de Trabalho

  Procuradoria Geral da República

  Revista de Direito e Estudos Sociais

  Revista de Legislação e Jurisprudência

  Revista da Ordem dos Advogados

  Revista dos Tribunais

  Supremo Tribunal Administrativo

  Supremo Tribunal de Justiça

 

 

 

 

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  1. Delimitação do objecto e método de investigação

 

 

No âmbito do curso de mestrado em Ciências Jurídico-Comerciais da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa-Porto constituído pelas disciplinas de Direito Comercial, Direito das Obrigações e Direito do Trabalho propusemo-nos tratar o tema interdisciplinar da responsabilidade civil. Nesta conformidade, atento o programas de cada uma das disciplinas, em Direito do Trabalho optámos por tratar a Responsabilidade Civil por Acidentes de Trabalho. O tema é  de grande amplitude, encontra-se na doutrina pouco tratado, contendo matéria para dissertação de um outro âmbito, que não um relatório de mestrado, pelo que, não foi possível cumprir com o sumário apresentado, aquando da exposição oral (1). A sua conclusão terá que aguardar melhor oportunidade e que será aquele momento, em que for publicado o diploma regulamentar da matéria que nos propusemos tratar. Atendendo a que, entretanto foi publicado o Código do Trabalho, privilegiamos citar as suas disposições legais pertinentes, referenciado a correspondência das disposições da Lei 100/97, de 13 de Setembro, até porque, de um modo general trata-se de transcrições.

O nosso método de investigação consistiu na recolha de dados junto de uma série de autores nacionais e estrangeiros, recolha que também teve lugar junto da jurisprudência, sobre o tema da responsabilidade civil em geral e sobre o tema específico da responsabilidade civil por acidentes de trabalho. Ao mesmo tempo que se procedia à recolha de dados, procurou fazer-se uma tentativa da sua sistematização juscientífica, tendo-se elaborado a estrutura da investigação, a que se denominou de sumário e que neste relatório constituirá o índice.

Na redacção segui-se o plano sumariado, com as alterações que se revelaram pertinentes no aprofundamento da investigação.

A novidade deste trabalho, prende-se com a questão da abordagem da responsabilidade contratual do empregador pela falta de cumprimento da obrigação de segurança, sendo como que, umregresso às origens da responsabilidade contratual em acidentes de trabalho, doutrina que desde cedo foi abandonada, mas que agora se lhe redescobrem novas virtualidades, além do mais, atenta a impossibilidade legal de inserção de cláusulas de exclusão de responsabilidade (2).

Uma outra questão nova, é a do dano à saúde que foi descoberto pela doutrina e jurisprudência italiana na década de 70, e que não encontra reparação no nosso ordenamento juslaboral, como não encontra em outros ordenamentos, com excepção do italiano, em cujo ordenamento já se encontra positivada. O direito à saúde consagrado no artº 58º nº 1 da  Constituição Portuguesa de 1976 é um direito análogo aos direitos fundamentais, pelo que, é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas. A reparação dos danos decorrentes da violação do direito à saúde, v.g. nos sinistros laborais e de viação, tem a tutela directa dos preceitos constitucionais.

O conceito de acidente de trabalho de que partimos, na responsabilidade objectiva ou pelo risco,  também dispensa o nexo causal do evento ao dano, por no conceito se encontrarem os elementos que permitem qualificar ou não o evento lesivo como acidente de trabalho.

 

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(1)     Apesar, de termos assinalado a disciplina de Direito Comercial como nuclear, foi nossa intenção dar um tratamento igualitário a cada um dos relatórios e respectiva investigação. O relatório de Direito do Trabalho, dado que não foi imposto limite de páginas, ficou com uma extensão considerável.

(2)     Sobre as cláusula de exclusão da garantia no contrato de seguro, ainda que não aplicável ao contrato de seguro obrigatório por acidentes de trabalho, Cfr. Laurence BRUGUIER-CRESPY in Essai de distinction entre les clauses définissant l’objet de la garantie  et les clauses d’exclusion de garantie dans le contrat d’assuranc –Université de Versailles –2002   que pode  ser consultado em http://www.glose.org/mem013-rtf.rtf

 

 

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2. Sistemas e mecanismos de reparação dos danos por acidentes de trabalho

 

 

            A Revolução Industrial e o consequente aparecimento e desenvolvimento da maquinofactura, determinou que a produção dos bens fosse fonte de cada vez maiores perigos, para aqueles que tinham que operar as máquinas, ou sejam, os operários (1). O sistema de reparação dos danos, baseado na responsabilidade subjectiva ou aquiliana, baseado na culpa, não respondia ao tratamento que era devido às vítimas de acidentes no trabalho. O trabalhador para obter a reparação dos danos, decorrentes da sua prestação laboral, tinha que provar a culpa da entidade empregadora, tarefa que se mostrava espinhosa, senão quase impossível, atendendo a que, a prova a produzir era por norma de natureza pericial ou testemunhal. A prova pericial aos maquinismos era facilmente dissipada ou ocultada pela entidade empregadora e a prova testemunhal, reconduzia-se aos companheiros de trabalho, que a falarem verdade, estavam sujeitos às represálias da entidade empregadora. Além disso, muitos dos acidentes de trabalho ocorridos sem qualquer culpa da entidade empregadora, alguns dos quais surgidos por imprevidência do próprio trabalhador (2), ficavam sem reparação (3).

            Em face de sistema tão injusto, que deixava sem reparação alguma, aqueles que com a saúde e a vida contribuíam para o progresso e bem estar de toda a sociedade (4), só os espíritos mais empedernidos podiam ficar alheios. Foi assim que, um pouco por todo o lado, o legislador (5), a jurisprudência (6) e a doutrina (7) procuraram remédios e soluções para tão tremendo mal, como seja este o dos acidentes de trabalho.

            Podem ser apontados dois grandes sistemas de reparação dos danos por acidentes de trabalho: o sistema de responsabilidade civil e o sistema de segurança social.

 

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(1)      MENESES LEITÃO in A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho,  escrito publicado em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, ALMEDINA, pág. 537, refere que “o desenvolvimento das indústrias em escala e concorrência desenfreada entre as empresas que vai obrigar cada vez mais à utilização de máquinas complexas, muitas vezes em fase experimental, de manejo difícil e com riscos de utilização imprevisíveis que, por sua vez, desencadeiam um aumento substancial do número de acidentes relacionado com a prestação de trabalho.”

(2)      J.C. BRANDÂO PROENÇA in A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, ALMEDINA, pág. 107, refere que “verificada que foi a fragilidade e a inevitabilidade a que ficava sujeito o trabalhador de ser negligente na execução de tarefas rotineiras, por descurar, quase sempre inconscientemente, a adopção de certas cautelas, surgiu uma nova filosofia, de cariz social, que obteve consagração no sector dos acidentes de trabalho.

(3)      CUNHA GONÇALVES in Tratado de Direito Civil, vol. XII, pág. 361, denuncia a série de clamorosas iniquidades que, durante todo o séc. XIX foram cometidas, nas relações entre patrões e operários, ficando estes feridos, mortos, esmagados, triturados pelos poderosos maquinismos com que aqueles enriqueceram  sem reparação alguma para os lesados ou suas famílias, lançadas na negra miséria.

(4)      SINDE MONTEIRO in Estudos sobre a Responsabilidade Civil, COIMBRA, 1983, pág. 18 refere que o “evento danoso, nos domínios assinalados pelo progresso, deixa de poder ser considerado como uma fatalidade cega que imprevisivelmente atinge o indivíduo, para passar a ser um fenómeno <<normal>>, estatisticamente calculável, que acompanha os modos de produção e de vida.

(5)      Segundo o Prof. J.C. BRANDÃO PROENÇA In Conduta do lesado ..., pág. 216 o primeiro diploma a estabelecer o princípio da responsabilidade pelo risco, terá sido uma Lei prussiana de 1838 relativa ao transporte ferroviário, fonte directa da mais restrita Lei Alemã de 1871 que por sua vez influenciou a Lei suíça de 1875, sobre a responsabilidade dos caminhos de ferro e de barcos a vapor. Foi neste seguimento, que um pouco por toda a Europa surgiu legislação protectora dos acidentes de trabalho consagrando a teoria objectiva ou pelo risco.

(6)      A jurisprudência francesa através do arrêt Teffaine de 16 de Junho de 1896, “descobriu” e autonomizou na al. 1ª do artº 1384º do Code a responsabilidade du fait des choses,  antecipando a primeira Lei dos Acidentes de Trabalho de 9 de Abril de 1898.

(7)      A solução da doutrina foi a descoberta da teoria do risco profissional ou risco de empresa, que segundo  o Prof. J.C. BRANDÃO PROENÇA In Conduta do lesado ..., pág. 214 teve como primeiros defensores SALEILLES, JOSSERAND, TEISSERIE e LAINÉ.

 

2.1. Sistema de responsabilidade civil

 

 

            Embora o termo responsabilidade seja de origem recente (8), pretendem os diversos autores reportar o conceito ou ideia de responsabilidade civil, quer delitual, quer contratual à Lei das XII Tábuas, embora como instituto ou disciplina jurídica, fosse desconhecida do direito romano (9). É na Lex Aquilia mandada plebiscitar pelo tribuno da plebe Aquilius na segunda metade do século III a.c., que ainda hoje assenta a responsabilidade civil denominada responsabilidade delitual, subjectiva ou aquiliana. Embora a Lei Aquília, só contivesse três artigos, o seu campo de aplicação era muito vasto, por deduções e analogias dos juizes e jurisconsultos, que por labor doutrinário e casuístico a sua aplicação se fazia a todos os delitos e prejuízos materiais, aplicável até aos danos morais e com base nela se construiu uma teoria do abuso do direito, especialmente nas relações de vizinhança (10).

            É controverso que o elemento da culpa estivesse presente no direito romano mais antigo (11) a (16), sendo crível que este elemento subjectivo terá sido introduzido mais tarde por influência dos canonistas. O direito canónico embora tenha como fonte o direito romano, não deixa de lhe introduzir o elemento subjectivo; a violação da lei de Deus, sendo pecatum, não é possível sem o elemento interior ou culpa moral (17).

            As doutrinas do Direito natural, dos séculos XVII e XVIII, colocando a razão como grande fonte das regras jurídicas, assumiram um papel fundamental, no repensar do fenómeno

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(8)      Segundo MENEZES CORDEIRO in Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, LEX, pág. 400, o termo responsabilidade, que não tem correspondência em latim, é um galicismo e o termo “responsable” só surge na segunda metade do séc. XVII e o vocábulo “responsabilité”, um neologismo, só em 1789 foi admitido no Dicionário da Academia e como termo jurídico foi usado por DOMAT (1625-1696).

(9)      A Lei das XII Tábuas é um dos resultados da luta pela igualdade levada a cabo pelos plebeus em Roma e terá sido elaborada por dez magistrados (os decênviros) nomeados pelo tribuno da plebe Gaio Arsa, incumbidos de redigir uma lei que diminuísse o arbítrio dos cônsules, inspirada nas leis de Sólon.

(10)   Cfr. CUNHA GONÇALVES in obra cit. pág. 353.

(11)   CUNHA GONÇALVES in obra citada pág. 353 tem entendido e entendeu que a teoria romana da culpa só a partir da do sec. VII e no fim da republica, inspirada na doutrina filosófica dos gregos é que foi formulada por MUCIUS SCAEVOLA e desenvolvida posteriormente por PAULO, ULPIANO e GAIUS e pelos glosadores e post-glosadores nomeadamente a propósito da responsabilidade contratual.

(12)   GENEVIÈVE VINEY In Droit Civil – Les Obligatios La Responsabilité, pág. 7 LG.D.J. 1982, também refere que a culpa jamais terá estado presente para os jurisconsultos romanos como condição geral do direito à reparação, nem a fortiori nem como o fundamento da responsabilidade civil. De uma maneira geral, até ao Baixo Império a definição da maior parte dos delitos não fazia apelo à noção de culpa. Importavam mais os factos danosos surgidos em certas circunstâncias e provindos de certos comportamentos cujas manifestações exteriores eram mais importantes que o móbil psicológico.

(13)   J.C. BRANDÃO PROENÇA in Conduta do lesado ..., pág. além de referir que a concepção da culpa no modelo clássico oitocentista é o produto das concepções jusnaturalisrtas e racionalistas, também defende que os direitos mais antigos conheceram formas de reparação objectiva e fortemente colectivista ou de associação a um facto humano qua tale.

(14)    KARL LARENZ  In Derecho de Obligationes, Tomo I, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, pág. 282 refere que a estruturação e realização do princípio da culpabilidade se deve ao Direito Romano postclássico.

(15)   ALMEIDA E COSTA in Direito das Obrigações, pág. 473, 8ª edição revista e aumentada, ALMEDINA, refere que foram os juristas bizantinos da época pós-clássica que, aprofundando a vertente subjectiva, fizeram a análise psicológica da culpa, e produziram a base doutrinal e técnica de compilação justinianeia.

(16)   MENEZES CORDEIRO in Da Responsabilidade Civil dos Administradores ... pág. 410 citando MARTON e KASER refere a existência de elementos subjectivos (negligência e dolo) na Lei das XII Tábuas e no Direito romano pós-clássico por influência do pensamento cristão.

(17)   Sobre o contributo dos canonistas e as reformulações dos jusracionalistas para o instituto da responsabilidade civil cfr. ainda MENEZES CORDEIRO in Da Responsabilidade Civil dos Administradores ...  pág. 417 e segs.

 

 

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jurídico, a que não ficou alheio o instituto da responsabilidade civil, iniciando-se a história moderna da responsabilidade civil com as grandes codificações: a francesa com o Code de 1804  e a alemã com o BGB de 1899.

O sistema de responsabilidade civil tradicional  distinguia a responsabilidade contratual e a responsabilidade extra-contratual, esta reduzida à responsabilidade subjectiva, aquiliana ou por facto ilícito, uma vez que, se desconhecia a responsabilidade objectiva ou pelo risco.

 

 

2.1.1. Responsabilidade subjectiva, delitual ou aquiliana

 

 

            Como se viu o conceito ou ideia de responsabilidade remonta ao direito mais antigo, <<policiado e afinado>> por vinte séculos de cristianismo (18), sendo um corolário da liberdade (19) ou do livre arbítrio do ser humano.

            Uma das inovações mais importantes do Código de Napoleão foi a de impor a obrigação de reparação ao autor de um dano, código que veio influenciar a codificação de outros países. Além, da reparação dos danos resultantes do incumprimento dos contratos, o legislador francês, inspirando-se na tradição canonista e em DOMAT, por razões éticas, práticas e económicas, consagrou a reparação dos danos resultantes da culpa (20). Por razões éticas, porque a responsabilidade subjectiva tem o seu fundamento numa visão humanista da sociedade, sendo cada um livre de procurar o seu próprio destino (21). Por razões práticas, porque de acordo com o princípio da precaução, a sua consagração constituiria uma forma de prevenção dos danos. Por razões económicas, porque a responsabilidade subjectiva facilitava o espírito de iniciativa e perspectivava o desenvolvimento económico, integrando-se na corrente do fisiocratismo do <<laisser faire, laisser passer>>. Também o BGB, embora empregando um outro modelo dogmático, consagrou a responsabilidade civil por factos ilícitos (22).

O acto ilícito representa a violação de um dever jurídico e a responsabilidade civil só pode surgir no campo dos deveres cuja violação seja susceptível de gerar prejuízos (23) (24) (25). Prejuízos directos computados na esfera individual do lesado e não os danos indirectos e

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(18)   Cfr. FHILIPE LE TOURNEAU in Droit de la Responsabilité, 1996, DALLOZ, pág. 7.

(19)    RENÉ SAVATIER in la théorie des obligations en droit privé économique, 4ª ed., DALLOZ, pág. 271.

(20)   FHILIPE LE TOURNEAU in Droit de la Responsabilité, 1996, DALLOZ, pág. 7.

(21)    Embora a responsabilidade civil tenha por fundamento razões ética, deve distinguir-se da responsabilidade moral, porque esta pertence ao domínio da consciência, cfr. ALMEIDA E COSTA in Direito das Obrigações, pág. 468, 8ª edição revista e aumentada, ALMEDINA.

(22)   Sobre os dois modelos de codificação, francês (faute) e alemão (culpa/ilicitude), cfr. MENEZES CORDEIRO in Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, LEX, pág. 423 e segs., que defende consagrar o Código Civil Português um sistema híbrido de responsabilidade civil, seguindo a responsabilidade contratual o modelo napoleónico ou por faute, a responsabilidade subjectiva ou aquiliana que segue o modelo do BGB apoiado na contraposição entre a culpa e a ilicitude.

(23)   Cfr. PESSOA JORGE in Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, LISBOA, 1968, pág. 283.

(24)    Sobre o conceito e os diversos tipos de ilicitude (por violação dos direitos subjectivos, por violação das normas de protecção) e os tipos delituais específicos (abuso do direito, a não cedência em caso de colisão de direitos, a ofensa ao crédito e ao bom nome, a responsabilidade por conselhos, recomendações e informações) e as causas de exclusão da ilicitude  (exercício de um direito, cumprimento de um dever, legítima defesa, acção directa, estado de necessidade e consentimento do lesado), cfr. MENEZES LEITÃO in Direito das Obrigações, I vol. 2ª edição, ALMEDINA, pág. 273 e segs.

(25)    O dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende de vários pressupostos a saber: a) a existência de um facto voluntário do agente e não de um mero facto natural causador dos danos; b) a ilicitude desse facto; c) a verificação de um nexo de imputação do facto ao lesante; d) que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; e) que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a concluir-se que o dano resulta ou é causa do facto. Cfr. ALMEIDA E COSTA in Direito das Obrigações, pág. 500. ANTUNES VARELA in Direitos das Obrigações, vol. I pág. 403., MENEZES LEITÂO in Direito das Obrigações, I vol. pág. 271.

 

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colaterais sofridos por terceiros, ainda que relacionados com o evento lesivo, como sejam aqueles que são suportados pelos cidadãos que, alarmados pela onda de roubos e violência, se apressam a fazer gastos no domínio da segurança, em alarmes, grades e portas blindadas, etc.

A responsabilidade subjectiva, aquiliana ou por actos ilícitos é o mecanismo tradicional de reparação ou ressarcimento dos danos, está mais ao serviço da pessoa, quando estejam em causa valores morais, como os atinentes aos direitos da personalidade, os direitos à saúde, à vida e integridade física, embora também a doutrina lhe aponte um escopo preventivo e sancionatório (26) (27) (28) (29). Atento o valor das indemnizações atribuídas às vítimas, nem sequer a função reparadora ou indemnizatória se tem feito eficazmente sentir. Apesar da tendência, ultimamente, se estar a esbater, se passarmos em revista os arestos dos tribunais superiores das três ou quatro últimas décadas e atentarmos nos valores indemnizatórios absolutamente ridículos atribuídos às vítimas ou às suas famílias, não só no domínio da reparação dos acidentes, constaremos que essa é uma realidade que não pode deixar de ser objecto da nossa preocupação e reflexão (30).

            No ordenamento jurídico português actual, nem sequer as indemnizações atribuídas no domínio criminal (31), têm caracter punitivo, o que, atentas as circunstâncias, nomeadamente, as de lucro ilegítimo (32), não só a função preventiva não tem lugar, como são um convite à criminalidade, porque contrariando a máxima popular “o crime compensa” (33). Embora, alguma doutrina pretenda ver no instituto da responsabilidade civil uma função preventiva, sancionatória ou repressiva (34), o que é certo, é que a jurisprudência não se faz eco de tal

 

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(26)   ANTUNES VARELA in Direitos das Obrigações, Vol. I  pág. 420 refere que “embora a responsabilidade civil exerça uma função essencialmente reparadora ou indemnizatória, ela não deixa de desempenhar, acessória ou subordinadamente, uma função de carácter preventivo, sancionatório ou repressivo e ilustra com o disposto no artº 494º do Código Civil. Só o carácter sancionatório, punitivo ou repressivo da responsabilidade civil permite explicar que a indemnização possa variar consoante o grau de culpabilidade do agente (artº 494º), que a repartição da indemnização entre as várias pessoas responsáveis se faça na medida das respectivas culpas (artº 497, nº 2) e que a graduação da reparação, quando haja culpa do lesado, se faça com base na gravidade das culpas de ambas as partes.

(27)   MENEZES CORDEIRO in Responsabilidade Civil dos Administradores, pág. 481, citando doutrina alemã, diz ser hoje pacífico que a indemnização tem ainda o escopo de uma pena. No domínio dos acidentes, fala-se, prossegue o ilustre autor, no <<princípio final>> de minorar os problemas das vítimas. O papel retributivo, das indemnizações, é sublinhado, bem como o seu escopo preventivo

(28)    ALMEIDA E COSTA in Direito das Obrigações, pág. 478, diz não ser inédito juristas e legisladores assinalarem subsidiariamente uma função preventiva e preventiva ao ilícito civil.

(29)   Sobre as diversas manifestações da função de pena privada da responsabilidade civil, nomeadamente, na protecção da pessoa humana, dos factos geradores de danos morais, das praticas repressivas dos tribunais, das propostas doutrinais e as sanções do direito inglês e do Quebeque, o modo de calculo da condenação punitiva, etc. cfr. SUZANNE CARVAL in La Responsabilité Civile dans sa Fonction de Peine Privée, com prefácio de GENEVIÈVE VINEY, edição de L.G.D.J.

(30)   MENEZES CORDEIRO in Reponsabilidade Civil dos Administradores, pág. 551, refere ser uma página negra da nossa jurisprudência, ocorrida até aos nossos dias.

(31)    Atente-se no artº 129º do Código Penal que remete para a lei civil a indemnização por perdas e danos aos ofendidos.

(32)    Sobre os punitive damages e a restituição do lucro ilicitamente obtido através da ingerência na esfera jurídica alheia, embora, na perspectiva do enriquecimento sem causa, cfr. JÚLIO GOMES in O Conceito de Enriquecimento, o Enriquecimento forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento sem Causa, edição da Universidade Católica, PORTO, 1998, pág. 735 e segs., nomeadamente, 770 e segs.

(33)    Exemplo ilustrativo é o caso de “Insider Trading” e MIGUEL SOUSA SINTRA noticiado pela Comunicação Social no momento em que escrevemos, em que o arguido, aproveitando-se de informação privilegiada obteve um lucro de 4 milhões de euros por transacção de acções na Bolsa de Valores, sendo condenado em 18 de meses prisão em pena suspensa, no caso de pagar uma soma de 499 mil euros a quatro instituições de solidariedade social, concluindo-se facilmente que ao condenado aproveita um lucro de 3,5 milhões de euros e que, de facto, o crime compensa. Sentença exemplar, seria aquela em que, o arguido fosse condenado não só pagar o lucro ilegítima e criminalmente obtido, como ainda, a uma soma punitiva  e retributiva do comportamento criminoso e, suficientemente dissuasora de condutas semelhantes, no âmbito da prevenção especial e geral.

(34)   Cfr. notas 25, 26 e 27.

 

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visão, e isto, pela simples razão de tal desiderato não resultar do texto legal. Os artºs 562º, 564º e 566º do Código Civil apontam para a reparação integral dos danos, de preferência, com a reconstituição natural, e, não sendo esta possível, a indemnização em dinheiro tem como medida, a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos, sendo o que dispõe o nº 2 do artº 566º do citado código. O artº 494º do Código Civil, prevê a redução equitativa da indemnização se a responsabilidade se fundar em mera culpa, atento o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do mesmo e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Também o artº 570º nº 1 prevê que a indemnização seja totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, atento o facto culposo do lesado que tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos. Não vemos nas citadas disposições qualquer funçãopreventiva, sancionatória ou repressiva, antes pelo contrário, o princípio de reparação integral do instituto da responsabilidade civil sai diminuído com a aplicação das mesmas. Para a referida função sancionatória seria necessária a existência de uma norma idêntica à do artº 494º do Código Civil, mas para funcionar em sentido inverso. Dito de outra maneira, para a referida função preventiva,sancionatória ou repressiva do instituto da responsabilidade civil seria necessário que uma norma permitisse o agravamento do montante indemnizatório de acordo com o grau de intensidade do dolo, das possibilidades económicas do lesante e até, das vantagens patrimoniais obtidas com a pratica do ilícito. Ou pelo menos, ser possível uma interpretação a contratio sensu do artº 494º, onde pudesse retirar-se que “ quando a responsabilidade não se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante superior ao correspondente aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.” Tratando-se como se trata de uma norma excepcional, a aplicação do argumento a contrario sensu, em tais termos resultaria uma interpretação sacrílega (35).

            Em termos de direito a constituir, julgamos imprescindível que, a indemnização em responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal, deixe a lei penal de remeter para as regras da responsabilidade civil, deixando ao prudente arbítrio do julgador a fixação da indemnização, atentos os fins das penas, a que também não seria alheio o instituto da responsabilidade civil em conexão com a responsabilidade criminal.

 

 

2.1.2. Responsabilidade contratual

 

 

            A responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito ou de uma obrigação em sentido técnico (36) ou da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (37).

            Como se viu, atentas as dificuldades de prova, o sistema de reparação dos danos, baseado na responsabilidade subjectiva ou aquiliana, não respondia ao tratamento que era devido às vítimas de acidentes no trabalho. O trabalhador para obter a reparação dos danos, decorrentes de acidentes no trabalho, tinha que provar a culpa da entidade empregadora, tarefa espinhosa, senão impossível, atendendo às vicissitudes da natureza da prova pericial ou testemunhal a oferecer. É assim, que a primeira reacção surgida nos finais do séc. XIX, contra o sistema da responsabilidade aquiliana, foi a qualificação da responsabilidade emergente de acidente de trabalho como responsabilidade contratual, tendo como fonte o contrato individual de trabalho.

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(35)   JOÃO BAPTISTA MACHADO in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, ALMEDINA, pág. 187 refere que o argumento a contrario sensu deve ser usado com muita prudência, que seguramente o princípio-regra a extrair não seria o que se deixou indicado.

(36)   ALMEIDA E COSTA in Direito das Obrigações, pág. 484.

(37)   ANTUNES VARELA in Direitos das Obrigações, Vol. I  pág. 398

 

 

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Segundo PATRICK MORVAN (38), esta solução foi empreendida por MARC SAUZET em França e pelo advogado  SAINCTELLETE na Bélgica. Em França não terá tido grande sucesso por o “grand arrétiste” LABBÉ (embora considerado contratualista, bem como, ESMEIN que fazia uma analogia do contrato de trabalho com o contrato de aluguer), acompanhado de GLASSON e LYON CAEN terem logo defendido que era possível estipular no contrato cláusulas de irresponsabilidade, o que desvirtuava e esvaziava de conteúdo pratico a teoria contratualista, além de que, o <<patrão>> sempre podia provar a inexistência de culpa ou imprudência da sua parte. Nos termos desta construção, que foi consagrada legislativamente na Suíça, pela lei de 25 de Junho de 1881, a entidade patronal face ao contrato de trabalho, um dos seus deveres era a de garantir a segurança do trabalhador. Tendo o trabalhador um acidente a entidade empregadora, via-se na obrigação de pagar uma indemnização, salvo se conseguisse provar que o acidente se tinha devido a caso fortuito ou a culpa do próprio trabalhador.

            A tese contratualista tinha e tem a vantagem de transferir para o lado da entidade empregadora o ónus da prova, cuja culpa se presume (39). Não obstante as criticas (40), e a insuficiência como mecanismo de reparação (caso não existisse a responsabilidade objectiva ou pelo risco), a tese contratualista tem cada vez mais defensores, quer entre a doutrina (41) e

 

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(38)   In Le <<déflocage>> de la faute inexcusable publicado na Revue de Jurisprudence Sociale, Junho de 2002, pág. 497.

(39)   VITOR RIBEIRO in Acidentes de Trabalho- Reflexões e notas práticas, Rei dos Livros, pág. 154, refere: embora se continuasse a condicionar a reparação à existência de culpa patronal, esta porém presumia-se até prova em contrário. Tomava-se o acidente como um evento que só acontecia à má organização do trabalho por parte do empregador. Portanto, como um incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, por culpa daquele, tanto bastaria para gerar a obrigação de indemnizar, com vantagem de libertar o sinistrado do ónus da prova da culpa.

(40)   MENEZES LEITÃO in A reparação de  Danos ..., estudo citado, pág. 543 refere-se nestes termos à teoria contratualista: o problema desta construção é, para além da sua artificialidade, o não tutelar suficientemente os interesses dos trabalhadores.

a.       A critica de MENEZES LEITÃO não tem hodiernamente razão de ser, nem teve grande razão de ser mesmo no passado. A teoria contratualista surgiu como primeiro passo de reacção contra a aplicação, sem mais, da responsabilidade aquiliana e teve, desde logo o mérito de o ónus da prova competir à entidade empregadora. Com a descoberta da responsabilidade objectiva ou pelo risco, nem por isso a mesma deixa de ter aplicação, como se deixará demostrado.

(41)   Sobre o dever de segurança como dever contratual cfr. PABLO ARAMENDI SÁNCHEZ – Seguridad Contractual por Accidente de Trabajo in Revista de Derecho Social nº 2 (1998). Defende este magistrado dos Tribunais de Trabalho de Madrid para que haja responsabilidade contratual é necessário que exista um dano, que o dano ocorra no decurso de uma relação contratual e que exista um nexo causal entre o dano e a conduta incumpridora do agente. 

a.       Sobre a possibilidade de intentar uma acção de responsabilidade contratual, considerando o empresário como devedor da segurança devida em virtude do contrato de trabalho, e portanto, sujeito a indemnizar os danos e prejuízos que derivam de dolo e negligência, conforme o artº 1.101º do Código Civil, cfr. MANUEL AFONSO OLEA in Derecho del Trabajo, 15ª edição, CIVITAS, pág. 230.

b.       TOMAS SALA FRANCO, IGNACIO ALBIOL MONTESINOS, LUIS CAMPS RUIZ, IGNACIO GARCIA NINET, JUAN LOPEZ GANDIA in Derecho del Trabajo, 11ª edição, TIRANT LO BLANCH  consideram que a Lei de Prevenção de Riscos Laborais 31/1995, de 10 de Dezembro, estabelece expressamente a existência de um dever empresarial <<correlativo>> de um direito dos trabalhadores – de protecção <<eficaz>> do trabalhador em ordem a garantir sua segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, mediante a adopção de todas as medidas necessárias, o que parece indicar com toda a clareza a natureza contratual de tal obrigação empresarial. Como consequência natural da complexidade contratual, atento o rol imenso de deveres de segurança para com o trabalhador, a obrigação contratual genérica do empresário de protecção eficaz do trabalhador em seu trabalho será uma obrigação de meios e não de resultado. Isto significa que o empresário com sua obrigação genérica cumprindo todas as exigências específicas em que aquela se concretiza, colocando todos os meios necessários para que não se produzam danos, ainda que estes finalmente se produzam – isto é, uma doença profissional ou um acidente de trabalho – e, em sentido contrário, que incumprirá a sua

 

 

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jurisprudência (42), quer entre os legisladores (43) (44) (45), defendendo-se a sua <<regressão

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obrigação genérica incumprindo alguma das obrigações específicas, ainda que não se produza um resultado danoso. O importante para estes efeitos é empregar os meios – cumprir com as obrigações específicas – e não tanto que se produza ou não um resultado danoso para o trabalhador. Por outro lado, o dever de protecção empresarial é um dever de conteúdo variável, isto é, de permanente modificação em atenção às novas circunstâncias laborais e aos novos e aperfeiçoados mecanismos de produção e protecção colectiva ou individual.

c.       Também LEODEGARIO FERNÁNDEZ MARCOS in Derecho del Trabajo y Seguridad Social, edição da Universidade Nacional de Educação à Distancia, pág. 447, defende que o dever de protecção e o dever de segurança fazem parte do conteúdo do contrato de trabalho.

(42)   Para PATRICK MORVAN in Le <<déflocage>> de la faute inexcusable, pág. 495 segundo uma jurisprudência clássica, a <<faute inexcusable>> do empregador na origem de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional  resulta de « uma falta de gravidade excepcional derivada de um acto ou omissão voluntária, da consciência de perigo que devia ter o seu acto, da ausência de causa justificativa e distinguia-se pela falta do elemento intencional. A Cour de cassation a partir de 28 de Fevereiro de 2002 e depois de um conjunto de decisões ligadas a doenças profissionais provocadas pelo amianto, veio provocar um novo entendimento do princípio: em virtude do contrato de trabalho que o liga ao seu assalariado, o empregador <<est tenu envers celui-ci d’une obligation de sécurité de résultat, notamment en ce qui concerne les maladies professionnelles contractées par ce salarié du fait des produits fabriqués ou utilisés par l’entreprise>>.

a.       Para que haja responsabilidade contratual e dever de segurança o Supremo Tribunal de Espanha considera que são necessários dois requisitos: a) que exista entre o causante do dano e o acidentado uma relação jurídica preexistente (STS sala 1ª de 09-07-1984); b) que o facto danoso aconteça dentro da rigorosa órbitra do pactado (STS sala 1ª de 10-06-1991). Também a sentença de 20 de Julho de 1992, considera como responsabilidade contractual quando o facto determinante do dano surge dentro da rigorosa órbitra do pactado e como desenvolvimento normal do conteúdo negocial. Cfr. outra jurisprudência em Responsabilidad Contractual por Accidente de Trabajo de  PABLO ARAMENDI SÁNCHEZ.

b.       Sobre a responsabilidade obrigacional do empresario por violação das normas de saúde e segurança e qual a jurisdição competente (social ou cível) cfr. SUSANA CASADO DÍAZ em comentário à sentença de 8 de Outubro de 2001 in Caduernos Cívitas de JURISPRUDENCIA CIVIL, abril/septiembre 2002, pág. 1590.

(43)   O § 618 do BGB estipula que o empregador tem de organizar a produção de modo a que os trabalhadores estejam protegidos, tanto quanto possível, contra os perigos que envolvam a sua vida e saúde. Se o empresário não cumpre as obrigações a ele impostas em relação à segurança e saúde do trabalhador, as disposições dos §§ 842 a 846 aplicáveis aos actos ilícitos se aplicam mutatis mutandis a sua obrigação de indemnizar.

(44)   Também o Codice no seu artº 2087º diz que o empregador é obrigado a adoptar, a nível da empresa, as medidas que, segundo a particularidade do trabalho, a experiência e a técnica, se tornam necessárias à tutela da integridade física e pessoa moral do prestador de trabalho. A constituição italiana estipula no seu artº 32º o direito à saúde como direito fundamental, preceito directamente aplicável e impondo-se a todas as entidades públicas e privadas. Foi, aliás, como base nesta disposição constitucional, que foi descoberto o dano biológico ou dano à saúde e aplicado pela primeira vez, por um tribunal genovês em 25 de Maio de 1974, em matéria de acidentes de trabalho, forma encontrada para aumentar as magras indemnizações tabelares previstas na legislação especial.

a.       A orientação jurisprudencial ainda que contraditória durante da década de 80,  foi consolidada no acórdão da Corte de Cassazione em reunião das câmaras ou secções cíveis de 22 de Julho de 1999, considerou: << la probabilità effettiva e congrua di conseguire un certo bene, è anch’essa un bene patrimoniale, economicamente e giuridicamente valutabile, la cui perdida produce un danno attuale e risarcibile qualora ne sai provata la sussistenza anche secondo un calcolo di probabilità o per presunzioni se, cioè. Possa essere dimostrata com certezza pur soltanto relativa, e non assoluta, ma come tale sufficiente>>. Cfr. UGO CARNEVALI in Lesione du un Iteresse Legitimo e Danno Risarcibile: La Peridita Della Chance, publicado Responsabilità Civile e Previdenza de Maio/Junho de 2000, pág. 580..

b.       DOMENICO BELLANTONI in Lesione dei Diritti della Persona, CEDAM-2000, pág. 307 refere que segundo a Corte de Cassazione dano biológico é o evento constitutivo do facto lesivo da saúde, que se contrapõe ao dano patrimonial e ao dano moral, qual dano consequência, isto é, a consequência danosa “legate all’intero” do facto ilícito de um ulterior nexo da causalidade.

c.        Para LODOVICO MOLINARI in obra cit. pág. 200 dano biológico é qualquer alteração temporária ou permanente do estado de saúde da pessoa, alteração que a impede de viver ou gozar a vida na estrita medida em que a vivia antes do evento lesivo.

 

 

 

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histórica por um progresso social>> (46).

Para quem defenda, como nós defendemos que o empregador, tem a obrigação ou o dever de assegurar a saúde e segurança do trabalhador (47), o incumprimento de tal obrigação tem reflexos noquantum indemnizatório (48). Acontecendo um acidente, o primeiro aspecto a averiguar é o de saber se há indícios de procedimento criminal por falta de cumprimento das normas de segurança (49). Não existindo indícios para procedimento criminal, o devedor da

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d.       Cfr. GABRIEL POSITANO e GIUSUPE POSITANO in obra cit. pág. 51, que refere as decisões 20 de Outubro de 1975 e 15 de Dezembro de 1976. Segundo o tribunal genovês, citado por estes autores, a lesão “non incidino solo ed esclusivamente sulla attività lavorativa, ma anche su tutte le altre componenti della actività humana”, e isto, de acordo com uma interpretação extensiva do artº 2043 do Codice com referência ao artº 32 da Constituição

e.       In La valutazione del Danno alla Salute de BARGAGNA e F.D. BUSNELLI, CEDAM, 2001, pág. 242 pode ler-se: Proprio con riguardo a quest’ultima figura di danno si completa la definizione dei nuovi indennizi corrisposti dall’ente previdenziale: per le menomazioni di grado pari o superiore al 16 per cento è infatti prevista, oltre alla rendita calcolata sulla base della <<tabella danno biológico>>, l’erogazione di un’ulteriore quota di rendita atta a ristorare le <<conseguenze ... delle menomazioni>> e, tra queste, quelle di carattere patrimonial dell’infortunio o della malattia professionale. Questa somma aggiuntiva è commisurata ad alcuni indici, quali il grado della menomazione e una percentuale della retribuizione dell’assicurato, determinata secondo i coeficienti contenuti nella relativa tabella, che specifica tali percentuali << in relazione alla categoria di attività lavorativa di appartenenza dell’assicurato e alla ricollocabilità dello stesso>>.

f.         Sobre o “quantum” indemnizatório no dano à saúde cfr. Responsabilità Civile e Previdenza, Julho-Outubro de 1999, pág. 1104.

g.      A determinação jurisprudencial levou a uma alteração legislativa consubstanciada na Lei de 23 de Fevereiro de 2000, onde o legislador vem consagrar a reparação do dano biológico ou dano à saúde no âmbito da reparação por acidentes de trabalho, não previsto no texto legal especial, alargando-se, assim, o montante de indemnização aos sinistrados. O diploma em causa é considerado mais uma etapa fundamental para a realização de um sistema de tutela integral contra o risco no trabalho, cfr. PATRIZIA ZIVIZ in Equivoci da Sfatare sul Danno Esistenziale publicado em Responsabilità Civile e Previdenza de Julho/Outubro de 2001, pág. 817.

(45)   Também o ordenamento jurídico francês, segundo DIAS LOBO in Responsabilidade Objectiva do Empregador por Inactividade Temporária devida a Perigo de Lesão à Vida e Saúde do Trabalhador, COMIBRA EDITORA, pág. 26, refere que, “não obstante a intervenção da segurança social (citando ANDRÉ BRUN e HENRI GALLAND) permanece a técnica contratual, de modo que o trabalhador, invocando a inexecução pelo empregador das suas obrigações contratuais, pode pretender ressarcir-se fora do quadro da protecção a nível de acidente de trabalho e (ou) doença profissional.”

(46)   É um dos subtítulos do citado estudo de PATRICK MORVAN, pág. 497.

(47)    O artº 64º da CRP estabelece todos têm o direito à protecção da saúde e o dever de a promover e defender, direito que tem de entender-se como direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artº 17º da CRP), directamente aplicável e vinculando todas as entidades públicas e privadas (artº 18º da CRP). Também o artº 149.º do Código do Trabalho estabelece como princípio geral que: As condições de prestação de trabalho devem favorecer a compatibilização da vida profissional com a vida familiar do trabalhador, bem como assegurar o respeito das normas aplicáveis em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho. O Código do Trabalho consagra ainda um capitulo (sujeito a regulamentação em legislação especial) relativo às questões de higiene e segurança no trabalho (artºs 272º a  280.º) estabelecendo o nº 1 do artº 272º que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde asseguradas pelo empregador; nos termos do nº 2 o empregador é obrigado a organizar as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho que visem a prevenção de riscos profissionais e a promoção da saúde do trabalhador. Anterior ao código, temos do Dl nº 441/91, de 14 de Novembro, alterado pelo DL nº 133/99, de 21 de Abril e pela Lei nº 118/99, de 11 de Agosto. Preocupação no domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho temos ainda o <<Programa Trabalho Seguro>>, criado pelo Dl nº 429/99, de 21 de Outubro e regulamentado pela Portaria nº 1041/99, de 25 de Novembro. De referir ainda, que a Resolução da Assembleia da Republica 44/2001, de 27 de Junho, instituiu o dia 28 de Abril como  <<Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho>>.

(48)    Nos termos do artº 18º da LAT e artº 295º do Código do Trabalho quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora, além da responsabilidade civil por danos morais, o trabalhador tem direito à reparação integral, tendo como base e limite o valor da retribuição.

(49)    Cfr. artº 277º do Código Penal.

 

 

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prestação de segurança, tem de provar que o acidente ou se deveu a dolo ou a culpa indesculpável da vítima, rectius, ou se deu em uma das situações legais que o descaracterizem como acidente de trabalho (50) ou não se deu por falta de cumprimento das normas de segurança legalmente ou contratualmente estipuladas (51).

Se o não conseguir, o titular do direito subjectivo à segurança, na relação do contrato individual de trabalho, nos termos do artº 18º da LAT e 295º do Código tem direito à reparação integral dos danos. Se a entidade empregadora não conseguir provar que houve dolo ou culpa indesculpável da vítima para o acidente e provar que cumpriu com o seus deveres de higiene e segurança no trabalho, há lugar à responsabilidade objectiva ou pelo risco e a indemnização tem os limites quantitativos deste tipo de responsabilidade, conforme o disposto no artº  296º.

 

2.1.3. Responsabilidade objectiva ou pelo risco

 

            É inquestionável que, quer a teoria da responsabilidade aquiliana, quer a teoria da responsabilidade contratual, ambas consagradas legislativamente, não respondiam aos justos anseios das vítimas de acidentes de trabalho (52). De fora, ficavam sempre os acidentes, porventura, a grande maioria, devidos a imprudência da própria vítima. Já o referimos, que um pouco por todo o lado, o legislador, a jurisprudência e a doutrina  procuraram remédios e soluções para tão tremendo mal, como seja este o dos acidentes de trabalho (53). O remédio foi encontrado na construção de uma teoria, que fosse completamente alheia à ideia de culpa, como critério de imputação e visse, em elementos objectivos, como o risco (risque-profit) inerente ao desenvolvimento da actividade empresarial como critério de imputação dos danos. Foi assim, que nos finais do séc. XIX nasceu a teoria da responsabilidade civil objectiva ou pelo risco, que corresponde ao princípio ubi commoda, ibi incommoda, existindo, no entanto, diversas concepções de risco cujos contornos não aparecem muito nítidos (54).    

É hoje incontroverso, que o Código Civil Português de 1860 consagrava a responsabilidade civil sem o elemento subjectivo, embora, só passado quase meio século é que foi defendido, entre nós, pela primeira vez, que o mesmo consagrava a responsabilidade civil objectiva (55). Em boa verdade, a teoria do risco à data da aprovação do Código de Seabra ainda

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(50)   O artº 290º consagra as situações em que o acidente é descaracterizado e como tal não dá direito a reparação: o que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou estabelecidas pela lei; que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado ...; que provier de caso de força maior, artº 291º do Código do Trabalho.

(51)    Na responsabilidade contratual o ónus da prova compete ao devedor nos termos do artº 799º do Código Civil.

(52)   VITOR RIBEIRO in Acidentes de Trabalho- Reflexões e notas práticas, Rei dos Livros, pág. 154 refere que cedo porém se verificou que crtos avanços na protecção jurídica da integridade física e mental dos trabalhadores subordinados, deixavam ainda a descoberto inúmeras e clamorosas situações de infortúnio laboral.

(53)    J.C. BRANDÃO PROENÇA in Conduta do lesado ..., obra citada, pág. 213 que refere: a partir do momento em que o desenvolvimento técnico gerou actividades empresariais e máquinas perigosas, susceptíveis de multiplicar, em termos de probabilidade, o número de acidentes e a sua intensidade danosa, dificultando ou impossibilitando o funcionamento da culpa como critério de responsabilidade, o legislador sentiu necessidade de encontrar soluções compromissórias que tivessem em conta esse desenvolvimento e a crescente exposição das pessoas ao perigo da lesão. Cfr. ainda notas 5, 6 e 7

(54)   Além da teoria do risco propriamente dita, surgiu a teoria do risco profissional e a teoria do risco de autoridade. Segundo a teoria do risco profissional a entidade empregadora deve assumir os riscos do trabalho efectuado pelos seus operários, cujos custos constituem encargo da produção a repercutir no preço e consumidor final. Para a teoria do risco da autoridade a assunção dos riscos por parte da entidade patronal é uma consequência do contrato individual de trabalho e da autoridade que esta exerce sobre o trabalhador.

(55)    Foi CUNHA GONÇALVES, que como o próprio afirma no  Tratado de Direito Civil, vol. XII, pág. 384, ter sido o primeiro a defender entre nós a teoria da responsabilidade objectiva, facto que é confirmado por

 

 

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não tinha sido descoberta ou, pelo menos, se o tinha, não tinha qualquer expressão na legislação, doutrina e jurisprudência (56) (57).

No ordenamento jurídico português, o primeiro diploma legal sobre a matéria de acidentes de trabalho, surgiu com a Lei nº 83, de 24 de Julho de 1913 e, posteriormente, com o Decreto nº 5637, de 10 de Maio de 1919. Segui-se-lhe a Lei nº 1942 de 27 de Julho de 1936, que veio a ser regulamentada pelo Decreto nº 27.649 de 12 de Abril de 1937, por sua vez, revogada pela Lei nº 2127 de 3 de Agosto de 1965, que veio tardiamente a ser regulamentada pelo Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto. Presentemente, encontra-se em vigor a Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, e isto, até ser publicada a legislação especial sobre acidentes de trabalho, a que se refere o nº 2 do artº 3º do decreto que aprova o Código de Trabalho, uma vez que este diploma legal, destina todo um capitulo (CAPÍTULO V) aos acidentes de trabalho, artºs 281º a 312º, mas que, nos termos do artº 280º o regime do mesmo capítulo tem de ser objecto de regulamentação em legislação especial.

 

 

2.1.4. O seguro social de responsabilidade civil obrigatório

 

            Associado ao aparecimento de legislação sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, surge o seguro de responsabilidade civil obrigatório. Este binómio responsabilidade civil objectiva, seguro de responsabilidade civil obrigatório constitui a maneira mais eficaz de socialização dos riscos (58). Os riscos de actividade que se radicavam na esfera do empregador, a partir do momento em que se institui o seguro obrigatório, transferem-se para a comunidade dos geradores de risco, sendo do fundo comum dos prémios pagos, descontados os custos administrativos, que serão indemnizadas as vítimas de acidentes de trabalho (59) (60) (61) (62).

            O seguro obrigatório foi implementado no sentido de assegurar que os danos sofridos pelas vítimas de acidente de trabalho fossem reparados, garantida a solvabilidade da entidade_____________________

 

CABRAL MONCADA in Lições de Direito Civil, pág. 775 ao escrever: Note-se que não foi JOSÉ TAVARES quem pela primeira vez sustentou a responsabilidade objectiva. Já em 1905 ela fora sustentada com o arrojo da mocidade pelo então distinto estudante de jurisprudência, Cunha Gonçalves, numa dissertação com o titulo A Responsabilidade da Administração pública pelo acto dos seus agentes pág. 104 e segs).

(56)    J.C. BRANDÃO PROENÇA in Conduta do lesado ..., obra citada, pág. 213 diz que a <<revolta do direito contra o código>> começou a ser defendida em França, por SALEILLES, JOSSERAND, TEISSERIE e LAINÉ, em escritos publicados entre 1894 e 1910. Na Alemanha, a concepção objectiva da responsabilidade, com raízes em princípios do antigo direito saxónico, ganhou autonomia por via legislativa especial. O primeiro diploma a conhecer o princípio assente no risco terá sido a Lei prussiana de 1838, relativa ao transporte ferroviário, fonte directa da (mais restrita) Lei alemã de 1871, a qual por sua vez, terá influenciado a primeira Lei suíça de 1875, sobre a responsabilidade dos caminhos de ferro e dos barcos a vapor, cfr. pág. 216

(57)   MENEZES LEITÃO In A reparação de  Danos Emergentes de Acidente de Trabalho, pág.545, nota 21, cita obras de RAYMOND SALEILLES e JOSSERAND datadas de 1897 como defensoras da responsabilidade civil objectiva.

(58)    Sobre a socialização da responsabilidade e reparação dos danos, Cfr. SINDE MONTEIRO in Estudos sobre a Responsabilidade Civil, pág. 25.

a.       BARBOSA DE MAGALHÃES in Seguro Contra Acidentes de Trabalho - Da Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e da sua Efectivação pelo Seguro, Empresa Lusitana Editora, 1913, pág. 80 refere o risco,responsabilidade e seguro como três ideias associadas, três princípios que se conjugam.

(59) Sobre o seguro e a tendência da reforma da responsabilidade civil, com a superação da culpa e a sua substituição pela responsabilidade civil objectiva associada à actividade seguradora privada, cfr. CARLO CASTRONUOVO in La Nuova Responsabiltà Civil-Regola e Metafora, pág. 265.

(60) Para HENRIQUE SOUSA ANTUNES in Responsabilidade dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, pág. 327 da UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, “ o aparecimento do Estado de Direito Social acabou com o isolamento do indivíduo e estabeleceu o princípio da

 

 

 

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para quem fosse transferido o risco, maxime, pelo Fundo de Acidentes de Trabalho. Mas, também o seguro obrigatório, não pode deixar de ser visto no interesse do empregador, uma vez que, é ele o responsável civilmente. Uma boa parte dos empregadores tem escassos recursos materiais ou de capital; a terem que indemnizar pessoalmente as vítimas de acidente, veriam à partida comprometida a viabilidade económica da sua unidade empresarial, que sem o consequente reforço de capital, em caso de acidente, afectaria a continuação da exploração, com as nefastas consequências, prima facie,  para os próprios e para as suas famílias. Num tal cenário, directamente atingido, seria não só o empregador enquanto responsável civilmente, mas também os  restantes trabalhadores da unidade de produção, que veriam comprometidos os seus postos de trabalho; reflexamente, seria toda a sociedade atingida (63). Daí que entendamos, que o seguro obrigatório de responsabilidade civil não se resuma a um seguro directo no interesse das vítimas (64).

            O seguro sobre acidentes de trabalho foi previsto em Portugal pelo Decreto nº 5637, de 10 de Maio de 1919 (Lei de Acidentes de Trabalho), mas a sua obrigatoriedade só se efectivou com a entrada em vigor do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto que regulamentou a Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 (nº 1 da Base XLII), dispensado para as entidades patronais que lhe fosse reconhecida capacidade económica pela Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, além de ser atestado pela Direcção-Geral de Saúde a instalação, apetrechamento e funcionamento de serviços médicos de acordo com as disposições legais pertinentes (artº 69º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto) (65) (66).

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repartição dos riscos. A transformação da responsabilidade civil em responsabilidade civil objectiva reclama uma socialização crescente que está na base do declínio da responsabilidade individual. Só assim se consegue garantir ao lesado quanto à percepção de uma indemnização compensatória pelos danos sofridos e o lesante contra os golpes do destino.”

(61)   - Sobre a função económica e social do seguro ver no II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, ALMEDINA:

a.        GUILHERME DA PALMA CARLOS – Valor e Funcão Social do Seguro

b.       MANUEL DA COSTA MARTINS – Considerações sobre o Valor e Função Social do Contrato de Seguro.

(62)    MENEZES CORDEIRO in Contrato de Seguro e Seguro de Crédito – II Congresso Nacional do Direito dos Seguros (Memórias) ALMEDINA,  pág. 31considera que a “conclusão profissional de contratos de seguro constitui uma actividade social e economicamente benéfica para todos.”

(63)   LÉON D’ANDRIMONT in Des Institutions et des Associations Ouvrières, Bruxelas –1871, pág. 185 refere que a criação das sociedades de socorros mútuos é uma das aplicações fecundas do princípio do associativismo e um remédio verdadeiramente eficaz contra a pobreza. São uma garantia preciosa para o trabalhador uma vez que a natureza das suas ocupações o expõe muitas vezes a atravessar momentos difíceis, onde o salário lhe vem a faltar, a seguir à doença, ao acidente, à enfermidade, ao desemprego forçado ou de crie alimentar.

(64)   No sentido de que a verdadeira função do seguro é a reparação do trabalhador e de que o mesmo, se assume cada vez mais como um seguro directo no interesse das vítimas, cfr. MENEZES LEITÃO in A reparação de  Danos...., pág. 567. Segundo ALAIN SUPIOT e outros in Transformações do Trabalho e futuro do Direito do Trabalho na Europa, de PERSPECTIVAS LABORAIS da COIMBRA EDITORA, pág. 227 referem que em matéria de segurança social, a posição francesa e belga foi a de combinar o modelo Beveridge com um ideal de “democracia social”. Em vez de ser o Estado a gerir directamente a segurança social, esta missão foi confiada a representantes dos segurados. Esta originalidade explica-se, nomeadamente, por tradições históricas e pela vivacidade da herança proudhoniana, ou mutualista (b), ou ainda do catolicismo social, que desconfiam da estatização dos assuntos sociais. De forma ainda mais característica, o sistema de subsídios de desemprego nunca esteve nas mãos do Estado, mas sim assente numa convenção colectiva interprofissional, só havendo intervenção do Estado a titulo subsidiário, em caso de falha do sistema convencional. É característico que o plano Juppé de reforma da segurança social (1995) tenha continuado fiel a esta tradição de autonomia, que apenas procura conciliar com a disciplina orçamental. Esta conciliação já não passa por actos de autoridade (pelo exercício da tutela), mas por técnicas convencionais.

a.       Em Itália existe um instituto segurador (INAIL), transformado em sociedade por  acções, como forma particular de gestão, embora, dependente da Administração estatal, cfr. FAUSTO DE COMPADRI e PIERO GUALTIEROTTI in L’ASSUCURATIONE OBLIGATORIA CONTRO GLI INFORTUNI SUL LAVORO E LE MALATTIE PROFESSIONALI, pág.  361, 2ª edição, GIUFFRÈ EDITORE.

(65)   BARBOSA DE MAGALHÃES in Seguro Contra Acidentes de Trabalho, pág. 107 reclama a indispensabilidade do obrigatoriedade do seguro obrigatório, no interesse de patrões e operários considerado como corolário lógico do risco profissional.

 

 

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2.1.4.1. O Seguro quanto à forma de administração

 

            O seguro quanto á forma de administração pode ser classificado em seguro público ou seguro privado. Seguro público é aquele que é administrado por um organismo estatal, como o caso da província canadiana do Quebeque (67). Seguro privado é aquele cuja administração é confiada às companhias de seguros privadas, como seja o caso de Portugal (68) e da Bélgica.

 

2.2. Sistema de segurança social e sistema no-fault

 

            Segundo SÉRVULO CORREIA a segurança social é o fruto de uma tendência que nos últimos séculos se tem vindo a manifestar com progressiva intensidade: a socialização dos riscos. Da solidariedade familiar, profissional, associativa ou contratual como garantia de reparação dos danos susceptíveis de causar situações de carência, passa-se à solidariedade nacional. A comunhão dos riscos tende a processar-se agora no seio do grupo maior, da comunidade política. Paralelamente, assiste-se ao declínio da responsabilidade civil.

            A expressão segurança social aparece pela primeira vez num lei federal dos Estados Unidos da América o “Social Security Act” de 1935 (69) e decorridos treze anos, obtém solene consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

            Segurança social, distingue-se de previdência social (70) e de assistência social (71). Esta tem um conceito mais amplo, porque além da reparação abrange também a prevenção; além dos seguros sociais abrange também a mutualidade.

            Na maioria dos países da União Europeia a gestão do seguro de responsabilidade civil está confiado a organismos de Segurança Social, embora, em alguns casos geridos com a participação de mutuas privadas.

Como critério e classificação da reparação dos danos, quanto à subsistência ou não da acção de responsabilidade, temos os regimes mistos (através de esquemas de Segurança Social ou de acção de responsabilidade do empregador ou de terceiros) como o caso de Israel ou a

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(66)   Também RUY JAYME CORREA de MELLO in Sistemas da Organização da Responsabilidade nos Acidentes de Trabalho nas Principais Legislações Europeias – Sua crítica – o Sistema em Portugal sua Apreciação e Solução Preconizada, ROA, Ano 14, pág. 99 reclama um seguro obrigatório para as actividades mais perigosas e facultativo para as restantes. Embora o seguro não fosse obrigatório, com a Lei nº 1.942 a entidades patronais que exercessem uma indústria, empregando mais de 5 trabalhadores, eram obrigadas a caucionar a responsabilidade, salvo se provassem perante a Inspecção de Seguros que a sua capacidade económica garantia suficientemente o risco tomado por conta própria, era o que constava do artº 12º.

(67)   SÉRVULO CORREIA in Teoria da Relação Jurídica de Seguro Social, LISBOA, 1968, pág. 14.

(68)   As companhias seguradoras, a par de outros importantes sectores de actividade,  de capitais portugueses, foram nacionalizadas no seguimento dos acontecimentos do 11 de Março de 1975, aquelas por Decreto –Lei nº 135-A/75, de 15 de Março, nacionalizações cuja irreversibilidade foi consagrada na Constituição (artº 83º, nº 1 sobre o alcance e natureza desta norma cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA in CRP Anotada). Face aos prejuízos sucessivos e acumulados das empresas então consagradas como Empresas Públicas, revogada a disposição constitucional que consagrava a irreversibilidade (Lei de Revisão Constitucional nº 1/89), seguiu-se todo um progressivo programa de reprivatizações, ainda não finalizado.

(69)    Segundo SÉRVULO CORREIA in obra cit., pág. 16, o “Social Security Act” não instituiu propriamente um sistema de segurança social, limitou-se a criar determinados seguros sociais (velhice, desemprego e sobrevivência) que não abrangiam todos os trabalhadores subordinados e, a par destes, organizou serviços assistenciais de saúde materno-infantil e de recuperação profissional.

a.       Diversas definições de <<seguro social>> e um conceito geral de segurança social, podem ver-se em GUSTAVO ARCE CANO in De los Seguros Sociales a la Seguridad Social, MEXICO 1972, págs. 9-15 e 699-723.

(70)   A expressão previdência social foi utilizado pelo legislador de 1933-1935, para distinguir o regime então instaurado dos seguros sociais obrigatórios de 1919. SÉRVULO CORREIA in obra cit., pág. 9

(71)   Assistência social é o esforço de ordem individual ou colectiva através do qual todos os homens cumprem o dever fundamental de se ajudarem uns aos outros. Cfr. SÉRVULO CORREIA in obra cit., pág. 11.

 

 

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substituição total da responsabilidade pelo seguro ou regime no-fault, como seja o caso da Holanda, da Suécia (72) e da Nova Zelândia (73).

 

2.2.1. Substituição da responsabilidade civil pelo seguro ou contribuição social

 

            Alguns autores, atento o fenómeno da socialização dos riscos e a instituição do seguro de responsabilidade civil (obrigatório ou não) ou da implementação de organismos sociais,  falam de crise e de declínio do instituto de responsabilidade civil (74), sem que, também deixem de se fazer criticas ao sistema de substituição da responsabilidade pelo seguro (75). De facto, atento o fenómeno socializador dos riscos e a sua transferência para organismos públicos ou privados, tem-se assistido a uma certa desresponsabilização, preocupante em domínios como os da sinistralidade, quer por acidentes de trabalho, quer por acidentes de viação (76). O escopo preventivo do instituto de responsabilidade civil, deixa de se fazer sentir com a transferência da responsabilidade civil para outras entidades (77). Não obstante, o efeito tranquilizante que o seguro efectua sobre o instituto, nem por isso pode deixar de se caracterizar a responsabilidade civil como o verdadeiro sistema de reparação dos danos por acidentes de trabalho, mesmo até por doenças profissionais (78).

 

2.3. Caracterização do sistema português

 

O sistema português consagra o regime de responsabilidade civil, nas suas diversas

 

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(72)   A Holanda através de Lei de 1966 suprimiu a noção de acidente de trabalho para os assalariados, passando a falar-se não de incapacidade para o trabalho, mas de incapacidade qualquer que seja a causa. Cfr. SINDE MONTEIRO in Estudos de Responsabilidade Civil, pág. 132. Em 1969, na Suécia os direitos de regresso da segurança social foram também abolidos em matéria de acidentes de trabalho, esvaziando de conteúdo o instituto da responsabilidade civil.

(73)    A NOVA ZELÂNDIA foi o primeiro país a adoptar um sistema no-fault.

(74)   J.C. BRANDÃO PROENÇA in Conduta do lesado, pág. 290, escreve que “ a natureza social do seguro obrigatório, ao provocar a secundarização da pessoa do responsável, parece legitimar uma certa atrofia do circulo da <<autoresponsabilidade>> do lesado, em sintonia com a função predominantemente reparadora do nosso direito de responsabilidade civil. Contra a visão estática da doutrina dominante, há que defender uma nova concepção funcionaldo seguro, visto como instrumento colectivo de tutela dos lesados e considerado como uma espécie de seguro de acidentes avant la lettre. Neste aspecto, o seguro de acidentes de trabalho, pese a sua natureza privatística, acolhe, desde há muito, a projecção da ideia desculpabilizante de certos comportamentos do lesado.”

a.      SINDE MONTEIRO in Estudos de Responsabilidade Civil, pág. 42 também refere que a responsabilidade civil perde terreno a favor dos mecanismos de reparação colectiva, com especial relevo para os pertencentes ao direito público (direito social), como da responsabilidade individual se caminha para a repartição (socialização) dos riscos.

b.      A senhora GENEVIÈVE VINEY subordinou a sua tese de doutoramento ao tema Le Déclin da la Responsabilité Individuelle. Com prefácio de ANDRÉ TUNC encontra-se publicada pela LIBRAIRIE GÉNÉRALE DE DROIT ET DE JURISPRUDENCE, 1965.

(75)   SINDE MONTEIRO in Estudos de Responsabilidade, pág. 111, embora considere que a filosofia subjacente à nova maneira de encarar o aspecto social e humanitário da questão, apresenta as seguintes criticas ao sistema de substituição da responsabilidade pelo seguro: a) Impropriedade da noção de culpa, quer como fundamento, quer como causa de exclusão do direito à indemnização; b) Caracter extremamente aleatório da prova; c) Ineficácia preventiva do sistema; d) Demora na concessão da indemnização; e) Custos exagerados de administração.

(76)    ANDRÉ TUNC in La Responsabilité Civile – Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, pág. 6 refere a responsabilidade meramente nominal do condutor que nada tem a pagar, qualquer que seja o montante de indemnização atribuído à vitima,  a não ser o aumento do prémio do seguro.

a.       SINDE MONTEIRO in Estudos de Responsabilidade, pág. 63 refere que é possível e desejável que em matéria de seguro de responsabilidade se produza uma saudável reacção no sentido de impedir que este seguro se transforme em passaporte para a irresponsabilidade, dando ao segurador um direito de regresso.

(77)   Para ANTUNES VARELA in Direito das Obrigações, pág. 420 a 422, embora, a responsabilidade civil exerça uma função essencialmente reparadora ou indemnizatória, ela não deixa de desempenhar,

 

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modalidades, delitual ou aquiliana, contratual e objectiva ou pelo risco (79) (80) (81). A transferência da responsabilidade civil pelos riscos decorrentes do exercício da actividade empresarial é obrigatória, junto de companhias de seguros geridas pelo sector privado (82). Pela responsabilidade delitual e obrigacional a entidade empregadora será sempre responsável pelos danos emergentes de acidente de viação, sendo a instituição seguradora responsável a titulo subsidiário, sendo o que dispõe o nº 2 do artº 37º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro e nº 3 do artº 303º do Código. Se a instituição seguradora tiver indemnizado o trabalhador sinistrado e satisfizer os demais encargos, resultantes de acidente que tenha sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante ou resultar da falta de observância das normas sobre higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho, tem direito de regresso contra a entidade empregadora ou tomador de seguro, é o que se retira da al. b) do nº 1 do artº 21º do Regulamento do Instituto de Seguros de Portugal. Também, nos termos do nº 3 da citada disposição legal, quando a entidade empregadora não declarar o montante total da retribuição auferido pelo trabalhador, em caso de acidente, responderá pelo remanescente, bem como, pela correspondente proporção das despesas com hospitalização, assistência clínica e transporte.

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acessória ou subordinadamente, uma função de carácter preventivo, sancionatório ou repressivo. Adverte que a função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos requisitos da ilicitude e da culpa se subordina à sua função reparadora, reintegradora ou compensatória, na media em que só excepcionalmente o montante da indemnização excede o valor do dano.

(78)   Cfr. nota 42 onde se diz que a Cour de Cassation considera que o empregador tem uma <<obligation de sécurité de résultat, notamment en ce qui concerne les maladies professionnelles contractées par ce salarié du fait des produits fabriqués ou utilisés par l’entreprise>>.

(79)   No sentido de que o regime jurídico dos acidentes de trabalho é estranho à responsabilidade civil, cfr. MENEZES LEITÂO in A reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho, pág. 570. Considera ainda o prestigiado autor que o regime está mais próximo do regime de Segurança Social, tendo o respectivo fundamento um caracter híbrido, simultaneamente indemnizatório e alimentar, discordando que o dever da entidade patronal de efectuar o seguro tenha por base o contrato de trabalho, tratando-se antes de uma obrigação imposta por lei e fundada em razões de solidariedade social, qualificando o dever como um <<dever de assistência social>>. O dever da entidade empregadora restringe-se à obrigação de pagar o prémio de seguro, obrigação que, considera o autor, só com muito artifício se poderá chamar de <<responsabilidade civil>>.

a.       Sobre a coexistência da responsabilidade individual e dos regimes de reparação colectiva, cfr. GENEVIÈVE VINEY in Le Déclin da la Responsabilité Individuelle, obra cit. págs. 15 e segs.

b.       ANDRÉ TUNC in Responsabilité … pág. 27-28, referindo-se à indemnização pelo sistema de segurança social, considera que a “faute” não é completamente eliminada, uma vez que, a indemnização pode ser aumentada em caso de faute intentionelle ou inexcusable, embora, também refira que a responsabilidade civil não desempenha senão um papel secundário.

(80)   No sentido de que o regime consagrado é do responsabilidade civil, embora reconheça à posição de Menezes Leitão o <<mérito inegável de destacar uma certa natureza assistencial e de não ser tributária da construção da responsabilidade pelo risco>>, cfr.  JÚLIO GOMES in Breves Reflexões sobre a Noção de Acidente de Trabalho no Novo (mas não muito) Regime dos Acidentes de Trabalho – I Congresso Nacional de Direito dos Seguros, ALMEDINA, pág. 208.

(81)   No sentido que o seguro se destina a dar cobertura à responsabilidade civil emergente dos acidentes de trabalho, cfr. CARLOS ALEGRE in Seguro de Acidente de Trabalho – II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, ALMEDINA, pág. 157.

(82)   A Lei de Bases de Segurança Social prevê a integração dos acidentes de trabalho no sistema de segurança social, tem vindo a ser sucessivamente adiada, como se pode ver do confronto dos artºs 72º e 83 da Lei 28/84, de 14 de Agosto (anterior Lei de Bases) e do artº 111º da Lei nº 17/2000, de 8 de Agosto, actualmente em vigor.

a.       JOÃO RATO in O novo regime dos acidentes de trabalho – Cadernos Sociedade e Trabalho – I DEPP/MTS.CELTA, pág. 124, diz ter-se desperdiçado excelente oportunidade para, definitivamente, se acertar o passo, com a tendência europeia, de afastar o direito à reparação e o correspondente dever de reparar em matéria de acidentes de trabalho de qualquer sistema de responsabilidade civil, antes o associado aos sistemas de segurança social, como já acontece no âmbito das doenças profissionais.

b.       Segundo ALAIN SUPIOT e outros, in Transformações do Trabalho e futuro do Direito do Trabalho na Europa, COIMBRA EDITORA, pág. 256 a natureza jurídica (privada ou pública) dos prestadores (de serviços de interesse geral como saúde, e segurança, a educação e formação e

 

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O nº 2 do artº 38º, também estabelece que a “apólice uniforme obedecerá ao princípio da graduação dos prémios de seguro em função do grau de risco de acidente, tidas em conta a natureza da actividade e as condições de prevenção implantadas nos locais de trabalho.”

Dada a função social do seguro e a proliferação dos trabalhadores independentes, o  artº 3º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, regulamentado pelo DL nº 159/99, de 11 de Maio, veio estabelecer a obrigatoriedade desta categoria de trabalhadores (83), efectuarem um seguro que cubra os riscos de acidentes de trabalho inerentes ao exercício da actividade exercida por conta própria, sendo de caracterizar como seguro contra danos próprios(84). O regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais dos trabalhadores ao serviço da Administração Pública consta do DL nº 503/99, de 20 de Novembro e o dos praticantes desportivos profissionais da Lei nº  ????/2003 de 15 de Maio.

            O sistema português dado tratar-se de um modelo em que o seguro obrigatório de responsabilidade civil é feito junto de companhias seguradoras privadas, pode ser criticável atento o escopo lucrativo das mesmas (85). O ramo de acidentes de trabalho, sobreviverá dos prémios das entidades empregadoras, que descontados os custos administrativos da sua gestão e as indemnizações em espécie e em dinheiro aos beneficiários do seguro, segundo a lógica da gestão empresarial privada, ainda deve resultar um remanescente ou lucro, que, descontadas as reservas legais (provisões técnicas, margem de solvência e fundo de garantia) (85ª), reverterá a favor dos accionistas da companhia. Na lógica da gestão pública o remanescente seria para distribuir pelos sinistrados beneficiários, mesmo que se

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os fluidos indispensáveis à vida como a água e a energia) é indiferente, desde que estejam submetidos a um quadro jurídico comum, que garanta a qualidade dos serviços que prestam e a sua acessibilidade  seja igual para todos os cidadãos.

(83)   ALAIN SUPIOT e outros, in obra citada, pág. 228 referem que o trabalho independente já não é apanágio dos agricultores, das profissões liberais tradicionais ou dos proprietários de pequenos negócios. Em alguns países, muitos trabalhadores profissionais qualificados (canalizadores, carpinteiros, etc.), trabalham como independentes. O mesmo se passa com pessoas que têm competências relativamente raras e que, consequentemente, podem libertar-se da dependência de um empregador único (os analistas funcionais e os desenhadores industriais, por exemplo).  Além disso, ao longo dos últimos vinte anos, tem-se assistido ao reaparecimento de pequenos trabalhos independentes: costureiros, serviços de entrega de alimentos ao domicílio, serviços de engomadoria, etc. Estes trabalhadores investem pouco ou nenhum capital financeiro no seu negócio, mas, ao contrário do independente tradicional, eles não possuem um negócio para vender, mas vendem o seu próprio trabalho. A única diferença é que o vendem a uma variedade de empregadores diferentes.

a.       Com referências ao Relatório SUPIOT, nomeadamente, o aparecimento de novas formas de organização do trabalho, que coexistem muitas vezes com as formas tradicionais, e a configuração do direito do trabalho, que toma como referência uma noção ampla de trabalhador  permitindo incorporar nesta disciplina formas de trabalho não necessáriamente subordinadas, estão em vias de provocar modificações importantes nos pilares sobre os quais se construiu o direito do trabalho depois das suas origens, cfr. IGNACIO CAMÓS VICTORIA e EDUARDO ROJO TORRECILLA in À propos du rapport Supiot: réflexions sur les changements dans le monde du travail et en droit du travail, publicado em LES CAHIERS DE DROIT, vol. 43-nº 3, Setembro de 2002, pág. 556. À questão posta pelos próprios autores: Cependant, quel est le principal indice de ce fhénomène postfordiste? Respondem:Certainement l’observation d’une tendance claire et manifeste de recul de la présonption de la condition du travail pour le compte d’autrui et l’agrandissement correspondant du cadre du travail à son propre compte.

(84)   No sentido de que é um seguro de danos próprios cfr. MENEZES LEITÃO in A reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho, pág. 555.

(85)    Em Espanha existem duas vias para o empresário tornar efectiva a sua obrigação de segurar: uma, através do Instituto Nacional da Segurança Social, no qual se hão integrado as antigas Mutualidades Laborales e outra, uma Mutua de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, que são associações de empresários, constituídas com o único objectivo de assumir as responsabilidades por acidente de trabalho e doenças profissionais dos associados e que têm caracter de entidades colaboradoras da gestão da Segurança Social e concretamente na gestão do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho. A natureza jurídica das Mutuas de Acidentes de Trabalho é de caracter privado e, sem qualquer escopo lucrativo, actuam como concessionárias da gestão de um serviço público, que é a Segurança Social, cfr. LEODEGARIO FERNÁNDEZ MARCOS in Derecho del Trabajo y Seguridad Social, pág. 451

(85ª) Cfr. artº 2º do DL. Nº 98/82, de 7 de Abril, que institui garantias de solbabilidade das companhias de seguros.

 

 

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entendesse que o sistema devesse ser autosuficiente, porque não deixa de haver quem defenda que também deve ser financiado pelo Sistema de Segurança Social, senão mesmo pelo Orçamento de Estado (86).

A experiência de gestão pública portuguesa tem-se revelado deveras desincentivadora, atenta a má experiência das nacionalizações operadas no post 11 de Março de 1975 (87). Esta possível critica, não nos parece ter fundamento, atento o carácter tarifário das indemnizações e o controle ou fiscalização jurisdicional quer ex officio, quer pela via contenciosa dos próprios sinistrados e interessados.

 

2.3.1. Com controle ou fiscalização jurisdicional

 

                        Todo o acidente de trabalho de que tenha resultado a morte ou a incapacidade permanente do sinistrado, tem de ser comunicado obrigatoriamente ao tribunal competente (88) pelas empresas de seguro ou pela entidade empregadora cuja responsabilidade não esteja garantida na forma legal, isto é, que não tenham transferido a sua responsabilidade para uma seguradora competente. Em caso de acidente de que tenha resultado a morte, a comunicação tem de ser feita imediatamente por telecópia ou por outro meio com o mesmo efeito e, no caso de incapacidade permanente a comunicação tem de ser efectuada no prazo de oito dias a contar da cura clínica, cfr. artº 18º do DL nº 143/99, de 30 de Abril (89).

            Comunicação obrigatória imediata em caso de morte,  por telecópia ou por outro meio com o mesmo efeito, também têm os directores dos estabelecimentos hospitalares, assistenciais ou prisionais em relação a algum trabalhador nos mesmos internado. Igual obrigação impende sobre qualquer pessoa ou entidade a cujo cargo o sinistrado tiver, cfr. artº 20º do DL nº 143/99, de 30 de Abril.

Sem prejuízo da eventual responsabilidade civil e criminal, a não comunicação faz incorrer o responsável em contra-ordenação e coima de 250 € a 240.000 €, é o que dispõem os artºs 67º e 68º do DL nº 143/99, de 30 de Abril.         

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(86)   ALAIN SUPIOT e outros, in obra citada, pág. 229, referem que a evolução recente do sistema de segurança social espanhol, que se caracteriza pelo reforço das condições de contributividade, pela “assistencialização” do sistema e pela separação das fontes de financiamento das prestações contributivas (quotizações sociais) e não-contributivas (fundos do Estado), operação acordada com os sindicatos, que levanta importantes interrogações quanto ao futuro do sistemae à sua viabilidade financeira.

(87)    O sector segurador com capitais portugueses foi nacionalizado nos dias imediatos ao 11 de Março de 1975, por DL nº 135-A/75, de 15 de Março, do Conselho de Revolução, com o fundamento na proliferação de sociedades de seguros que conduziam à concorrência desleal e à própria solvabilidade das empresas, à necessidade de confiar maior segurança aos capitais confiados às mesmas e às elevadas somas de capital deverem ser aplicados em investimentos de interesse nacional (cfr. preâmbulo). O que se assistiu foi que o sector até então lucrativo, passou a deficitário, com financiamento pelo Orçamento de Estado, que se socorreu de empréstimos para o seu financiamento, com agravamento da dívida pública, com reflexos que ainda se fazem sentir na geração actual e se farão sentir nas gerações vindouras, não obstante, uma boa parte do produto das reprivatizações terem sido afectadas à amortização da mesma Dívida Pública.

(88)   Nas acções emergentes de acidente de trabalho, nos termos do artº 15º do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo DL nº 480/99, de 9 de Novembro, é territorialmente competente o tribunal:

a.       Do lugar onde se deu o acidente onde, preferencialmente, deve ser apresentada a participação, atento o inquérito, previsto no nº 2 do artº 104º do CPT, que o Ministério Público pode e deve mandar realizar à Inspecção-Geral de Trabalho, quando do acidente tenha resultado a morte ou incapacidade grave; houver motivos para presumir que o acidente ou as suas consequências resultaram da falta de observância das condições de higiene ou de segurança no trabalho ou houver motivos para presumir que o acidente foi dolosamente ocasionado;

b.       Do domicílio do sinistrado se o acidente ocorrer no estrangeiro;

c.       Do domicílio do sinistrado se aí for apresentada a participação do acidente ou se ele o requerer até à fase contenciosa do processo.

d.       Da primeira localidade em território nacional onde o navio ou aeronave chegar, quando o sinistrado for tripulante de qualquer aeronave ou inscrito marítimo e o acidente ocorrer em viagem.

 

 

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Para que as referidas participações tenham lugar, previamente, e, no prazo de 48 horas, tem o trabalhador sinistrado de participar à entidade empregadora o acidente, caso a mesma ou um seu representante na direcção do trabalho o não tenha presenciado ou dele tenha tido conhecimento, por qualquer meio, no mesmo prazo. Se o trabalhador por motivo comprovado, não puder comunicar o acidente, o prazo inicia-se a contar da cessação do impedimento. Se a lesão se revelar ou só for reconhecida em data posterior ao acidente, o prazo contar-se-á a partir da data da revelação ou do conhecimento, sendo o que dispõe o artº 14º do DL nº 143/99, de 30 de Abril.

             A não participação atempada do acidente por parte da vítima, tem como consequência que as incapacidades judicialmente reconhecidas como consequência daquela falta, não conferem direito às prestações estabelecidas da lei, na medida em que dela tenham resultado, é o que dispõe o nº 4 do artº 14 do DL nº 143/99, de 30 de Abril.  Assim, por falta de comunicação do acidente e da consequente falta de assistência, se ficar demostrado através de perícia médico-legal, judicialmente comprovada, de que houve um agravamento da lesão e da incapacidade, as prestações resultantes do agravamento, não serão devidas pela entidade empregadora.

Iniciado o processo laboral (90) especial emergente de acidente de trabalho, por participação de um dos obrigados ou da própria vítima ou por sua própria iniciativa quando tenha conhecimento do acidente, v.g. através da comunicação social, ou porque lhe tenham sido participado por representante dos trabalhadores, acidente que se revele desejável e necessário o inquérito a que alude o artº 104º do CPT (91), segue-se uma fase conciliatória. Embora, o texto legal o não obrigue, devia ser prática corrente do Ministério Pública a realização de inquérito urgente sempre que: do acidente resulte a morte ou ferimentos graves no trabalhador; quando haja indícios de que o mesmo se terá dado por falta de cumprimento das normas de legais sobre segurança no trabalho e quando haja motivos para crer que o acidente foi dolosamente provocado. Trata-se de factos que indiciam a pratica de crime público (92), podendo e devendo o Ministério Público ter a iniciativa processual e não ficar à espera da participação. Aliás, de pouco vale o rol imenso de normas para prevenir os acidentes de trabalho, se as mesmas não forem implementadas no terreno por quem de direito (93). Pode não ser só uma questão de

           

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(89)   CARLOS ALEGRE in Processo Especial de Acidentes de Trabalho, ALMEDINA, pág. 39 questiona qual a razão porque a lei impõe a certas entidades a obrigação de participarem o acidente ao tribunal. Responde o ilustre autor entre as que podem apontar-se salienta-se a necessidade que o legislador sentiu de proteger o trabalhador sinistrado, através do controle directo e imediato pelo poder judicial do tratamento indemnizatório que lhe é devido, subtraindo à disponibilidade do sinistrado a possibilidade de abrir mão de direitos indisponíveis, através da omissão de participar a que pudesse ser levado.

(90)   Segundo ÁLVARO LOPES CARDOSO in Manual do Processo de Trabalho, 3ª edição revista, ampliada e actualizada, LIVRARIA PETRONY, pág. 16, processo laboral ou processo de trabalho é a sequência de actos destinados à justa composição de um conflito de interesses (litígio) privados, relativos à disciplina do trabalho ou com ele conexos, mediante a intervenção de um órgão imparcial de autoridade, o tribunal.

(91)   CARLOS ALEGRE in Processo Especial de Acidentes de Trabalho, pág. 30, refere o que o início do processo nunca pode ser oficioso, mas sempre o resultado da iniciativa dos interessados. Pertencendo a iniciativa processual às partes, tem como consequência que o tribunal não pode, em princípio, conhecer do conjunto de interesses (conflituais ou não), que o processo pressupõe, sem que esse conhecimento lhe seja pedido por uma das partes ou por quem a lei a tanto obriga. Já o impulso processual, que pertencem também aos interessados, não constitui um dever exclusivo destes, pois que os processos, uma vez iniciados, correm oficiosamente (artº 27º, nº 1 do CPT de 1981), isto é, incumbe também a quem os dirige o dever de, prontamente, praticar ou ordenar a prática dos actos necessários a que atinjam a sua finalidade.

(92)   Cfr. artº 277º do Código Penal.

(93)    Aliás, julgamos existir insuficiência legislativa, porquanto, sempre que do acidente resultassem ferimentos graves no trabalhador as diversas entidades, hospitalares, inclusive, deviam ter de obrigatória e imediatamente participar o acidente ao Tribunal e à Inspecção-Geral do Trabalho, por meios expeditos. Se assim acontecesse, e os meios inspectivos respondessem, a redução da sinistralidade laboral seria uma realidade.

 

 

 

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sensibilidade para as questões da segurança e sinistralidade (94), podendo também faltar a afectação de recursos materiais e humanos para que se cumpra tal desiderato. Embora, tal competência também esteja distribuída ao inspector de trabalho nos termos da al. e) do nº 1 do artº 10º do DL nº 102/2000, de 26 de Junho, seria desejável uma intervenção dinâmica por parte do Ministério Público, a requisição do inquérito urgente à Inspecção-Geral do Trabalho sempre que o acidente ocorresse nas circunstâncias referidas, cfr. nº 2 do artº 104º do CPT.

 

2.3.1.1. Fase conciliatória

 

            O processo especial emergente de acidentes de trabalho está dividido em duas fases distintas: a fase conciliatória e a fase contenciosa (95), (96). O Processo é dirigido pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente, que quando feita pela entidade seguradora deve ser acompanhada de toda a documentação clínica e nosológica disponível, de cópia da apólice e seus adicionais em vigor,nota discriminativa das incapacidades e internamentos e cópia dos documentos comprovativos das indemnizações pagas desde o acidente, sendo o que dispõe o artº 99 do CPT.

A tramitação varia conforme tenha havido morte ou incapacidade permanente do sinistrado, artºs 100º e 101º do CPT. Efectuada a autópsia ou junto aos autos o respectivo relatório ou efectuado o exame médico é marcada uma tentativa de conciliação entre todos os intervenientes no processo, promovendo o Ministério Público um acordo com base nos direitos legalmente consignados e nos elementos fornecidos pelo processo, nomeadamente, o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade de ganho no sinistrado, artº 109º do CPT. Realizado o acordo, é imediatamente submetido ao juiz, que o homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais, produzindo efeitos desde a data da sua realização, artºs  114º e 115º do CPT. Não realizado o acordo, o Ministério Público recolhe todos os elementos necessários à elaboração e apresentação da petição inicial, artº 113º do CPT.

           

2.3.1.2. Fase contenciosa

 

             A fase contenciosa, que pressupõe um litígio (97), inicia-se com a apresentação da petição inicial ou com o requerimento de junta médica, caso na fase de conciliação tenha só

             

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(94)   CARLOS ALEGRE in A Questão da Responsabilidade Criminal em Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, pág. 343, além da aparente complacência com é encarada a chamada sinistralidade laboral, refere a geral deficiente “formação” ética, para estas questões, de que todos, em maior ou menor grau, somos <<culpados>>, apontando ainda escassa importância dada pela Doutrina Jurídica em Portugal, o recente ensino do Direito do Trabalho, o escasso tratamento do tema e a falta de interdisciplinaridade entre o Direito Administrativo, o Direito Penal e o Direito do Trabalho.

(95)   Esta distinção do processo em duas fases foi uma inovação do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo DL nº 31.464, de 12 de Agosto de 1941. O regime anterior apenas concebia uma única fase, atribuindo ao juiz a competência exclusiva em todo o processo. A inovação apenas atribuiu competência ao Ministério Público para presidir às tentativas de conciliação; em tudo o mais, era da competência do juiz. Com o Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo DL nº 45.497 de, 30 de Dezembro de 1963, que manteve as duas fases, a conciliatória passou a ser dirigida pelo Ministério Público. Cfr. CARLOS ALEGRE in Processo Especial de Acidentes de Trabalho, pág. 12.

(96)   Sobre a caracterização da fase conciliatória cfr. JOÃO RATO in Ministério Público e Jurisdição Laboral – Questões Laborais, nº 11, 1998, pág. 44.

(97)   Reclamando-se como se reclama uma maior responsabilização das entidades empregadoras no que ao dever de segurança diz respeito, com o consequente direito à reparação integral dos danos e, à responsabilidade meramente subsidiáriada entidade seguradora, antevê-se, numa primeira fase, e, enquanto não se puser cobro ao clima reinante de impunidade relativo às questões da higiene e segurança, uma maior litigiosidade, que não pode deixar de considerar saudável.

 

 

 

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havido discordância quanto à questão da incapacidade, artºs 112º, 117º e 138º do CPT (98).

            Nos termos conjugados dos artºs 121º e 122º do CPT e nº 5 do artº 17º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, a requerimento do autor interessado ou da parte interessada, pode ser fixada uma pensão ou indemnização provisória, quer haja ou não acordo sobre a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, a suportar pela entidade seguradora, pela entidade empregadora ou pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, conforme os casos. O Ministério Público que tinha a direcção do processo na fase conciliatória, na fase contenciosa assume papel importante no patrocínio das vítimas. Prevê o artº 113º do CPT que, não se realizando o acordo, o Ministério Público recolhe logo os elementos necessários à elaboração e apresentação da petição inicial. O Ministério Público dispõe nos termos do artº 119º, nº 1 do prazo de 20 dias para a propositura da acção, prorrogável por igual período (nº 2 do artº 119º), sob pena de suspensão da instância, subsistindo o dever de apresentar a petição inicial logo que tenha coligido os elementos necessários para tal efeito, sendo o que dispõe o nº 4 da mesma disposição legal (96). Esta suspensão é uma consequência do caracter oficioso do processo especial por acidentes de trabalho, estando subtraído às partes, por razões de ordem pública e protecção do sinistrado, a realização de um acordo particular sobre a reparação do acidente (99). Se a falta de fornecimento de elementos ao Ministério Público se dever a acordo particular sobre a reparação do acidente, o Ministério Público promove a condenação como litigante de má-fé da entidade (seguradora ou empregadora) com quem tenha sido feito o acordo, é o que dispõe o nº 3 do artº 119º do CPT. Trata-se de direito indisponíveis, estando vedado ao trabalhador a sua renúncia.            

            O seguro social de responsabilidade civil obrigatória emergente dos acidentes de trabalho, apesar de estar confiado a empresas seguradoras do sector privado, atento o caracter tarifário das indemnizações legalmente estipulado (100) e o controle jurisdicional obrigatório do processo de reparação, em todas as suas fases, julgamos dar garantias aos sinistrados de que não podem ser defraudados os seus direitos legalmente estipulados.

 

 

 

 

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(98)   O CPT criou, relativamente aos processos por acidentes de trabalho, um regime especial de suspensão, independente, quanto ao prazo e efeito, do regime adjectivo geral comum. Cfr. Ac. do TRL, de 27-11-1993 in BMJ, 423, pág. 587.

(99)    No mesmo sentido cfr. ABÍLIO NETO in Código de Processo do Trabalho, EDIFORUM, em anotação ao artº 119º, pág. 285.

(100)     MENEZES LEITÃO in A Reparação dos Danos ...., pág. 570, refere que os juizes não têm, qualquer poder de apreciação, tendo de determinar a indemnização com base numa tabela precisa, calculada em função da retribuição-base, da gravidade e da duração da incapacidade para o trabalho.

 

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3. Génese e evolução legislativa

 

 

Nota: Por razões que parecem óbvias, omite-se neste local, o restante estudo. Os interessados podem solicitar ao seu autor uma versão integral e impressa.

 

 

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