UNIVERSIDADE
CATÓLICA PORTUGUESA
Faculdade
de Direito Porto
Responsabilidade
Civil por Acidentes de Viação,
Concorrência
de Causas: o risco do veículo
e facto do
lesado (em
especial os art.ºs 493.º nº 2, 503.º
e 505.º do Código Civil).
Curso
de Mestrado em Ciências Jurídico-Comerciais
Relatório
Apresentado por: Agostinho
Machado
em
DIREITO
DAS OBRIGAÇÕES
PORTO 2003
________________________________________________________________
SUMÁRIO
Modo de citar e abreviaturas 1.Delimitação do objecto e método de investigação 2. Sistemas de reparação de danos por acidente de viação 2.1. Sistemas de responsabilidade civil 2.1.1. Introdução 2.1.2.
Responsabilidade civil dilitual subjectiva ou aquiliana 2.1.3. Responsabilidade objectiva ou pelo risco 2.1.4. O seguro de responsabilidade civil 2.1.5. O Fundo de Garantia Automóvel 2.2. Sistemas no-fault 3. Direito comparado 3.1. Direito Alemão 3.2. Direito Belga 3.3. Em Espanha 3.4. Do ordenamento jurídico francês 3.4.1. Jurisprudência anterior à Lei Banditer 3.4.1.1.
Arrêt Jand’heur 3.4.1.2.
Arrêt Desmares 3.4.2. Lei Banditer ou Lei de 5 de Julho de 1985 3.5. Na Holanda 3.6. No ordenamento jurídico italiano 3.7. Direito Suíço 4. Evolução legislativa 5. Responsabilidade pelo risco em acidentes causados por veículos de circulação terrestre 5.1. Responsabilidade do detentor do veículo 5.1.1. Elemento da direcção efectiva 5.1.2.
Elemento da utilização
no próprio interesse 5.2 Responsabilidade do condutor por conta de outrem ou comissário 5.3. Causas de exclusão da responsabilidade 5.3.1. Imputabilidade do acidente ao próprio lesado 5.3.1.1. Tese clássica e sua crítica 5.3.1.2. Teses hodiernas protectoras das vítimas 5.3.1.3. A concorrência de causas 5.3.1.3.1. Teorias e critérios de imputação dos danos 5.3.1.3.2. A circulação viária como actividade perigosa e os riscos do veículo 5.3.1.3.2.1. Crítica ao assento 1/80 5.3.1.3.3. O facto do lesado culposo ou não culposo 5.3.1.3.4. O direito do lesado ser indemnizado por facto que lhe seja culposamente imputável 5.4. Da necessidade de uma corrente jurisprudencial mais sensível à fragilidade humana 5.5. Ou as propostas de iure constituendo 6. CONCLUSÕES Bibliografia Jurisprudência portuguesa citada Índice |
1 2 3 3 3 4 5 7 9 9 11 11 12 12 13 14 14 15 16 17 17 19 20 23 23 25 26 28 30 33 33 37 44 45 46 50 52 53 54 55 57 58 63 65 |
MODO
DE CITAR E ABREVIATURAS
Os
autores citam-se pelos nomes e apelido, tal qual que vêm mencionados nas
respectivas publicações ou então, pelo nome por que são mais conhecidos. O
nome da obra aparece em itálico, acrescido da editora e do ano de publicação
ou da edição. Quando se cita mais que uma vez um autor e obra, a esta faz-se
referência abreviada, omitindo-se a editora e a publicação. As notas de
roda-pé, não aparecem de modo sequencial, desde o início do relatório até
ao seu final. Aparecem parceladas e por áreas temáticas, atenta a natureza da
numeração automática do processador de texto e a elaboração do relatório.
Ac. AD BMJ BGB CJ RLJ DL ROA BFDUC RT STA STJ |
Acórdão Acórdão
Doutrinas do Supremo Tribunal Administrativo Boletim
do Ministério da Justiça Código
Civil Alemão Colectânea
de Jurisprudência Revista
de Legislação e Jurisprudência Decreto-lei Revista
da Ordem dos Advogados Boletim
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Revista
dos Tribunais Supremo
Tribunal Administrativo Supremo
Tribunal de Justiça |
NOTA: A
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que foi concebido. Assim, as páginas ficaram aqui separadas com uma linha
horizontal, que assinala a separação de página que existe no word.
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1. Delimitação
do objecto e método de investigação
No âmbito do curso de mestrado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa-PORTO constituído pelas disciplinas de Direito Comercial, Direito das Obrigações e Direito do Trabalho propusemo-nos tratar o tema interdisciplinar da responsabilidade civil. Nesta conformidade, e, atento o programas de cada uma das disciplinas, em Direito das Obrigações optámos pelaResponsabilidade Civil por Acidentes de Viação com culpa do lesado, em Direito do Trabalho pela Responsabilidade Civil por Acidentes de Trabalho e em Direito Comercial pela Responsabilidade Civil dos Gerentes e Administradores das Sociedades Comerciais. Cada um dos temas, é matéria para dissertação de mestrado, pelo que, a restrição da investigação a subtemas, é uma consequência da limitação e natureza dos relatórios em cada uma das disciplinas da parte escolar (1). Nesta conformidade, restringimos o campo de investigação nuclear à problemática do artº 505º do Código Civil e de uma maneira mais restrita ao artº 503º do mesmo Código. No decurso da investigação, a análise do risco do veículo e dos perigos da circulação terrestre, “obrigou-nos” à análise do artº 493º nº 2 e à jurisprudência existente em torno do mesmo, nomeadamente, o assento nº 1/80, ao qual se traça uma critica.
Tínhamos previsto um capítulo relativo aos sistemas de reparação de danos, composto pelo sistema de reparação de danos e pelo sistema no-fault. Aquele comportava os subtemas da responsabilidade subjectiva, delitual ou aquiliana, o da responsabilidade objectiva ou pelo risco, o seguro de responsabilidade civil obrigatório e o Fundo de Garantia Automóvel. Como método de investigação, ainda tínhamos previsto um capitulo relativo ao direito comparado, certos de que, o mesmo nos ajudaria a compreender o nosso ordenamento, como ajudou e a traçar as respectivas diferenças, sendo de todos eles, o nosso ordenamento o menos protector das vítimas, menos que o italiano, apesar deste consagrar a responsabilidade objectiva ou pelo risco, embora, tenhamos dúvidas. Porém, esta parte introdutória, muito útil porque nos ajudou a perceber o instituto da responsabilidade civil em geral, através da leitura de autores nacionais e doutrina estrangeira, consumiu uma parte substancial do espaço e limites que estão traçados para os relatórios escolares desta natureza, pelo que, vimo-nos na necessidade de excluir do relatório estes dois capítulos e que tínhamos apresentado no sumário, aquando da apresentação e discussão oral, atento o princípio da <<igualdade de armas>> foi nosso dever fazer a referida exclusão, para ficarmos numa situação paritária com os restantes colegas. Mesmo assim, pisámos o risco !
Como método de investigação, procurámos fazer a recolha de dados doutrinários e jurisprudências nacionais e, apesar de tudo, com recurso ao direito comparado, procurando fazer-se uma abordagem problematizada, com possíveis respostas fundamentadas nos textos legais e jurisprudenciais.
No plano metodologia da ciência jurídica, atenta a relatividade do direito, com o Prof. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO defendemos, prima facie, que as correntes que devem triunfar são as de orientação prática e viradas para a vida (2) e (3).
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(1) Apesar,
de termos assinalado a disciplina de Direito Comercial como nuclear, foi nossa
intenção dar um tratamento igualitário a cada um dos relatórios e respectiva
investigação.
(2) In
Inflação e Direito Civil pag. 872. refere ainda o mesmo autor que a
“jurisprudência dos interesses” chamou
à atenção, de uma forma equilibrada e realista, para a realidade social,
substituindo o primado da lógica pelo “primado da investigação e valoração
da vida”, concebendo o juiz com “auxiliar pensante” do legislador e a lei
como solução valoradora de um “conflito de interesses”.
(3) MENESES
CORDEIRO - Ciência do
Direito e Metodologia Jurídica nos Finais do Sec. XX in
ROA, Dezembro de 1988, pág. 768, conclui que a Ciência do Direito é, antes de
mais, a Ciência dos casos concretos: a sua renovação assume-se, no final do século,
como um repensar das soluções dogmáticas.
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2.1.
Sistema de responsabilidade civil
A ideia de responsabilidade civil nasceu, como a ideia de direito e de justiça, (1) do instinto reflexo da defesa, instinto de defesa que a par do instinto de conservação todo o ser humano, como qualquer ser vivo é portador. À medida que o ser humano evolui culturalmente, a vindicta privada corporizada na pena de talião ( olho por olho, dente por dente) vai dando lugar a outros princípios mais humanos, sendo um dos mais antigos traduzido no brocardo romano de neminem laedere.
O conceito ou ideia de responsabilidade civil, quer delitual, quer contratual remonta já à Lei das XII Tábuas, embora como instituto ou disciplina jurídica, fosse desconhecida do direito romano. (2) É na Lex Aquilia mandada plebiscitar pelo tribuno da plebe Aquilius na segunda metade do século III a.c., que ainda hoje assenta a responsabilidade civil denominada responsabilidade delitual, subjectiva ouaquiliana. Embora a Lei Aquília, só contivesse três artigos, o seu campo de aplicação era muito vasto, por deduções e analogias dos juizes e jurisconsultos, que por labor doutrinário e casuístico a sua aplicação se fazia a todos os delitos e prejuízos materiais, aplicável até aos danos morais e com base nela se construiu uma teoria do abuso do direito, especialmente nas relações de vizinhança. (3)
Tem-se discutido se no antigo direito romano elementos subjectivos, tais como a negligência, a culpa e o dolo, eram tidos em conta para a reparação do dano. Entre nós CUNHA GONÇALVES (4) tem entendido e entendeu que a teoria romana da culpa só a partir da do sec. VII e no fim da republica, inspirada na doutrina filosófica dos gregos é que foi formulada por MUCIUS SCAEVOLA e desenvolvida posteriormente por PAULO, ULPIANO e GAIUS e pelos glosadores e post-glosadores nomeadamente a propósito da responsabilidade contratual, sendo raras as suas aplicações à responsabilidade extracontratual (culpa aquiliana). (5) Pretendeu este autor ver a responsabilidade objectiva quer na Lei das XII Tábuas, quer na Lei Aquília.
GENEVIÈVE VINEY (6) também refere que a culpa jamais terá estado presente para os jurisconsultos romanos como condição geral do direito à reparação, nem a fortiori nem como o fundamento da responsabilidade civil. De uma maneira geral, até. ao Baixo Império a definição da maior parte dos delitos não fazia apelo à noção de culpa. Importavam mais os factos danosos surgidos em certas circunstâncias e provindos de certos comportamentos
_________________
(1) CUNHA
GONÇALVES in Tratado de Direito Civil, vol. XII, pág. 350.
(2) MENESES
CORDEIRO in Da
Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, pág.
400. Ainda
segundo este ilustre autor o vocábulo responsabilidade entre nós será um
galicismo de responsabilité e
o vocábulo responsable terá
surgido pela primeira vez na literatura francesa na segunda metade do século
XVII.
(3) CUNHA
GONÇALVES in obra cit. pág. 353.
(4) Obra
cit. pág. 353.
(5) Idêntica
posição é defendida por LUÍS CABRAL DE MONCADA in Lições de Direito Civil, 4ª
ed. ALMEDINA, em nota de rodapé da pág. 758 ao escrever: A teoria da
responsabilidade civil com fundamento exclusivo na culpa – acrescente-se –
é uma criação definitiva do direito
justinianeu, amplamente desenvolvida pelo direito intermédio dos post-glosadores e canonistas,
representando, cremos, uma influência do espírito cristão dentro do direito
romano. Já nodireito romano existia
a obrigação de
indemnização independentemente de dolo ou culpa e só em virtude da própria
objectividade do facto. Além
de outros exemplos este prestigiado autor cita a responsabilidade noxal, quando
o proprietário dum escravo ou de um animal eram responsabilizados pelos danos
por estes causados (a não preferirem entregá-los à vítima).
(6) In Droit
Civil – Les Obligatios La Responsabilité, pág. 7 LG.D.J. 1982.
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cujas manifestações exteriores eram mais importantes que o móbil psicológico.
O Professor J.C. BRANDÃO PROENÇA além de referir que a concepção da culpa no modelo clássico oitocentista é o produto das concepções jusnaturalisrtas e racionalistas, também defende que os direitos mais antigos conheceram formas de reparação objectiva e fortemente colectivista ou de associação a um facto humano qua tale. (7)
Do mesmo modo, KARL LARENZ refere que a estruturação e realização do princípio da culpabilidade se deve ao Direito Romano postclássico (7-a).
Esta espécie de retorno às origens não é porém pacífica porque MENESES CORDEIRO (8) citando MARTON e KASER refere a existência de elementos subjectivos (negligência e dolo) na Lei das XII Tábuas e no Direito romano pós-clássico por influência do pensamento cristão.
A tendência hodierna é cada vez mais no sentido da objectivação da responsabilidade, daí que sentíssemos a curiosidade de saber se a concepção oitocentista alicerçava as suas bases no direito mais antigo, direito que é tão velho como a própria convivência do homem em sociedade e que se reflecte no brocardo ubi societates ubi ius, o que de facto parece não ter acontecido. Assim sendo, o reforço da cada vez maior da objectivação da responsabilidade não é propriamente uma modernice dos novos tempos, mas tão só o retorno às origens, onde encontra a sua legitimação.
2.2.
Responsabilidade civil delitual, subjectiva ou aquiliana
Elaborada que foi uma leve introdução ao conceito de responsabilidade cabe agora traçar, ainda que abreviadamente, o fundamento teórico dessa mesma responsabilidade. Esta questão foi largamente debatida e tratada nos países que tomaram como modelo paradigma o Code de Napoleon, que por sua vez adoptaram como regra de orientação o direito romano justinianeu. (9) Rezava assim o artigo 1382º do Code: Todo o facto humano que produz o dano de outrem obriga aquele por cuja culpa isso ocorreu a repará-lo. Acrescenta ainda o artº 1383º: Cada um responde pelo dano devido, não só ao seu acto, mas ainda à sua negligência ou imprudência. Foi com base nestas normas, bem como, nas dos artºs 1151º e 1152º do Codice que os jurisconsultos construíram a doutrina da responsabilidade subjectiva. À influência romanística também não é alheia a filosofia liberal, com uma determinada concepção da sociedade e do Direito, em que o indivíduo era o elemento central de todas as valorações sociais, e como tal jurídicas, repugnando a ideia que uma pessoa pudesse ser considerada responsável – com todas as consequências económicas daí advindas – se o dano não tivesse sido consequência da sua livre actuação.
Segundo RICARDO DE ANGEL YAGUEZ (10) a doutrina jurídica há posto em relevo que a teoria da culpa – isto é, a concepção tradicional em matéria de responsabilidade civil – é uma das aplicações, no plano jurídico, das directrizes do fisiocratismo económico
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(7) In A
Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano
Extracontratual, ALMEDINA, 1997, pág. 115.
(7-a)
In Derecho de Obligationes, Tomo I, Editorial Revista de Derecho Privado,
Madrid, pág. 282
(8) Obra
cit. pág. 410.
(9) Sobre
as origens do sistema do Code e a influência de Roma e os estudos feitos a este
propósito durante a Idade Média e no período da Renascença e a influência
das leis barbares em
vigor na época franca, consultar GENEVIÈVE VINEY in Droit
Civil – Les Obligatios La Responsabilité,
pág. 5 e segs. LG.D.J.
1982.
(10) In
Tratado de Responsabilidade Civil, CIVITAS, pág. 53.
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ou da teoria do laisser faire. (11) Uma das consequências mais relevantes foi o carácter absoluto dado ao direito de propriedade, concebido como um direito fundamental do homem, como foi consagrado no artº 1º da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de de 16 de Junho de 1776 e no artº 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Outra consequência da referida filosofia liberal foi o princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade, princípio consagrado nos códigos decimónicos europeus. (12) Uma outra expressão da referida ideologia foi a consagração do princípio de que não há responsabilidade sem culpa. À consagração deste princípio não terá sido alheio a influência dos canonistas que não concebiam responsabilidade sem o elemento intencional ou subjectivo. A influência dos teólogos nomeadamente, de S. Tomás de Aquino, dos textos evangélicos e do Antigo Testamento contribuiu decisivamente para a simbiose entre as soluções romanísticas e os grandes princípios da moral cristã, norteadores da concepção moderna da responsabilidade civil que veio a ser consagrada finalmente no Code de 1804, fonte inspiradora dos códigos civis europeus.
A responsabilidade por factos ilícitos ou extracontratual assim, também chamada à responsabilidade delitual, subjectiva ou aquiliana foi consagrada pela primeira vez no ordenamento jurídico português no Código Civil de 1867. O artº 2398 previa que os empresários de viação por vapor ou por qualquer outro sistema de transporte, serão responsáveis, não só pelos danos causados à propriedade alheia, mas também pelos acidentes que, por culpa sua, ou de agentes seus, ocorrerem à pessoa de alguém, quer esses danos procedam de factos, quer de omissão de factos, se os primeiros forem contrários aos regulamentos gerais e os segundos exigidos pelos ditos regulamentos. Segundo CUNHA GONÇALVES, (13) esta disposição não contém uma regra geral, porque existem muitas outras disposições que excluem o conceito de culpa subjectiva e relativas à responsabilidade objectiva, coexistindo com a responsabilidade contratual.
O desenvolvimento técnico gerado pela revolução industrial, com o constante e crescente perigo gerado pelos maquinismos, determinou que fosse abandonada a doutrina subjectivista, que via na culpa o único critério de atribuição de responsabilidade. Segundo o Prof. J.C. BRANDÃO PROENÇA (14) o primeiro diploma a estabelecer o princípio da responsabilidade pelo risco, terá sido uma Lei prussiana de 1838 relativa ao transporte ferroviário, fonte directa da mais restrita Lei Alemã de 1871 que por sua vez influenciou a Lei
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(11) Sobre
o dogma da culpa e a influência do liberalismo económico e a “socialização
do risco” cfr. GUIDO ALPA in la responsabilità civile, terza edizione
aggiornata GIUFRÈ EDITORE, 2001, pág. 11 e segs. Sobre a responsabilidade
civil na codificação oitocentista e o princípio do “laissez faire” e a
função ideológica da culpa, pág. 25 e segs e ainda págs. 101 e segs.
a. ÁLVARO
DIAS in Dano Corporal Quadro
Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Colecção Teses, ALMEDINA,
pág. 26, também faz uma ligação entre o sistema subjectivista de apuramento
da responsabilidade civil e as concepções económicas liberais e
individualistas que a revolução francesa potenciou.
(12) A
doutrina da culpa não terá só inspirado os ordenamentos jurídicos da Europa
continental ( civil law)
e de tradição romanística. Também na common
law um dos princípios clássicos
é o da no liability windhout
fault, que corresponde nem mais ao não
há responsabilidade sem culpa. A
este propósito cfr. Winfield and Jolowicz on Tort by W. V. H. Rogers, 20ª Ed.
Sweet & Maxwell, pág. 25.
(13) In Tratado
de Direito Civil, XIII vol.,
pág. 240.
(14) In A
conduta do lesado..., ALMEDINA, 1997, pág. 216
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suíça
de 1875, sobre a responsabilidade dos caminhos de ferro e de barcos a vapor. Foi
neste seguimento, que um pouco por toda a Europa surgiu legislação protectora
dos acidentes de trabalho consagrando a teoria objectiva ou pelo risco.
A teoria do risco foi consagrada pela via jurisprudencial em França através do arrêt Teffaine de 16 de Junho de 1896, (15) que descobriu e autonomizou na al. 1ª do artº 1384º do Code a responsabilidade du fait des choses, (16) antecipando a primeira Lei dos Acidentes de Trabalho em 9 de Abril de 1898.
Foi com o arrêt Jand’heur de 13 de Fevereiro de 1930 que em França, se estendeu a responsabilidade du fait des choses do artº 1384º aos acidentes de viação, estabelecendo uma presunção de responsabilidade de pleno direito, que não sucumbe a não ser por prova de causa estranha ao funcionamento do veículo. (17)
Para CUNHA GONÇALVES (18), que era acompanhado de outros autores (19) e (20), já o Código Civil de 1867 consagrava a teoria da responsabilidade objectiva, uma vez que, nos artºs 2361º (21) e 2364º não se fazia qualquer referência ao elemento subjectivo ou psicológico, ou seja, à culpa ou à negligência. Todo aquele, que por factos ou omissão de factos, viola ou ofende os direitos de outrem, constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado, por todos os prejuízos que lhe causa, é o que resulta dos artºs 2361º e 2362º do referido código. Ainda segundo a 2ª parte do artº 2364º do Código de 1867 “a responsabilidade civil consiste na obrigação, em que se constitui o autor do facto ou da omissão, de restituir o lesado ao estado anterior à lesão, e de satisfazer as perdas e danos que lhe haja causado. ” Ainda segundo este ilustre autor, não fazendo o legislador alusão expressa à culpa subjectiva e sendo a letra de tais artigos tão clara e categórica, não pode o interprete atribuir-lhe sentido diverso. Parece hoje incontroverso, que entre nós a teoria da responsabilidade objectiva ou pelo risco, foi consagrada já no Código de 1867 ou de Seabra. (22) O movimento de socialização do risco na expressão do Prof. ANTUNES VARELA (23) estendeu-se ao capitulo dos acidentes de viação e foi aquele que, depois das relações de
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(15) No
mesmo sentido, cfr. J.C. BRANDÃO PROENÇA in Conduta... pág. 215
(16) Segundo
os MAZEUAD & MAZEUAD e FRANÇOIS CHABAS in Leçons
de Droit Civil Tome Deuxième,
Premier Vol., 6ª ed. pág. 549, o fundamento da responsabilidade « du
fait des choses demeure la faute. Le
gardien qui manque à l’obligation déterminée que la loi fait peser sur lui
– obligation de ne pas laisser la chose èchaper à son contrôle – commet
une faute (la faute dans la garde) commme toute personne qui n’exécute pas
une obligation légale ou contractuelle. A moins que línexécution ne soit pas
son fait. La jurisprudence présume que l’inexecution est le fait du gardien ;
il lui incombe donc d’etablir le contraire : il peut se libérer en
prouvant une cause étrangère.
(17) Segundo
FRANÇOIS CHABAS in LE DROIT
DES ACIDENTS DE LA CIRCULATION après la reforme du 5 de juillet 1985, 2ª
ed., Gazette du Palais, pág. 13, « le droit des acidents de la
circulation sort de son Moyen Age avec l’arrêt Jand’heur du 13 février
1930, admirable décision qui fixera le droit positive our des décennies et qui
dissuadera peut-être le législateur d’intervir. »
(18) In
Tratado de Direito Civil, vol. XII, pág. 384, que segundo o próprio foi o
primeiro a defender entre nós a teoria da responsabilidade objectiva, facto que
é confirmado por CABRAL MONCADA in Lições de Direito Civil, pág. 775 ao
escrever: Note-se que não foi JOSÉ TAVARES quem pela primeira vez sustentou a
responsabilidade objectiva. Já em 1905 ela fora sustentada com o arrojo da
mocidade pelo então distinto estudante de jurisprudência, Cunha Gonçalves,
numa dissertação com o titulo A Responsabilidade da Administração pública
pelo acto dos seus agentes pág. 104 e segs).
(19) JOSÉ
TAVARES in Princípios
fundamentais de direito civil, I, pág. 531
(20) JOAQUIM
CRISÓSTOMO in Aspectos
doutrinários do Código da Estrada.
(21) Era
este o teor do mencionado artigo: “ Todo aquele que viola ou ofende os
direitos de outrem constitue-se na obrigação de indemnizar o lesada por todos
os prejuízos que lhe causa”.
(22) Cfr.
LUÍS CABRAL DE MONCADA in Lições de Direito Civil, 4ª
ed. ALMEDINA, em nota de rodapé da pág. 774, defendendo uma posição intermédia
à preconizada por CUNHA GONÇALVES que defendia a predominância da
responsabilidade objectiva no Código e a tese de J. GOUVÊA que negava a existência
desta responsabilidade.
(23) In Das
Obrigações em Geral, vol. I, 2ª edição, ALMEDINA, pág. 511.
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trabalho, mais vigoroso movimento se desencadeou contra o dogma da culpa (24) como pressuposto da responsabilidade.
A teoria da responsabilidade civil objectiva por acidentes de trânsito foi consagrada no Código da Estrada de 1930, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18.406 de 31 de Maio, consagrando o brocardo romano ubi commodum ibi incommodum, isto é, quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, deve suportar as consequências da sua utilização.
O Código Civil actual consagra à da responsabilidade civil objectiva os artºs 499º e seguintes.
2.1.3.
O seguro de responsabilidade civil
O seguro de responsabilidade civil, dada a sua função económico-social como instrumento de tutela dos lesados, (25) desde muito cedo, que foi consagrado pelos diversos ordenamentos jurídicos (26), sendo-o em Portugal com caracter obrigatório, apenas, com o D.L. nº 408/79, de 25 de Setembro alterado pelo D.L. 525/85, de 31 de Dezembro, adaptando o direito português às directivas comunitárias (27) impostas pela integração portuguesa na Comunidade Europeia, diploma este já objecto de diversas alterações (28). O seguro de responsabilidade civil é também uma forma de socialização do risco (29), que a troco do
___________________
(24) Para
JOÃO ANTÓNIO ÁLVARO DIAS in Dano
Corporal-Quadro epistemológico e aspectos recessarcitórios, ALMEDINA, pág.
24 “ a
evolução, ao nível dos sistemas jurídicos, de uma matriz marcadamente
subjectivista em matéria de responsabilidade civil, para parâmetros progressivamente
objectivistas, caminho muitas vezes mediado pelas conhecidas presunções de
culpa e a percepção que o
simples facto de criar um perigo comporta
em si mesmo uma danosidade social juridicamente relevante são
sinais que, tendo prenunciado novos tempos, se
assumem hoje como a marca de uma nova referência”.
(25) I
- Sobre
a função económica e social do seguro ver no I Congresso Nacional de Direito
dos Seguros, ALMEDINA:
a. GUILHERME
DA PALMA CARLOS – Valor e
Funcão Social do Seguro
b. MANUEL
DA COSTA MARTINS – Considerações
sobre o Valor e Função Social do Contrato de Seguro.
II -
Também RENÉ SAVATIER in la
théorie des obligations en droit privé économique, 4ª ed., DALLOZ, pág.
274 considera que « les assurances de responsabilité remplissent ainsi,
au profit des victimes éventuelles, une sorte deservice public » com
grande vantagem para as vítimas que são indemnizadas quase automaticamente,
reconhecendo que neste sistema em que não é o culpado que desembolsa o preço
da falta, mas o segurador a responsabilidade civil “cesse d’être une
sanction adéquate de cette faute” e o antigo suporte da responsabilidade s’élude.
III
- Sobre
a função social do seguro obrigatório automóvel como instrumento de tutela e
ampara dos prejudicados e não como meio de protecção do património do
segurado cfr. ALBERTO JAVIER
TAPIA HERMIDA in Aspectos
Polémicos del Seguro de Responsabilidad Civil-Reflexiones sobre la
Jurisprudencia Recente, publicado na REVISTA DE DRECHO MERCANTIL,
MADRID-Julho e Set. 1999, págs. 977 e segs, mais concretamente na pág. 1035.
(26) Na
Alemanha por lei de 1939; na Suíça em 1958; na Bélgica em 1 de Julho de 1956;
em França pela de 27 de Fevereiro de 1958; em Espanha em 19 de Novembro de
1964; na Itália pela Lei 990 de 24 de Dezembro de 1969 e na Suécia em 1972.
(27) Cfr.
ADRIANO GARÇÃO SOARES – As
Normas Comunitárias e o seu Reflexo no Direito Português Relativo ao Seguro
Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, in I Congresso Nacional
de Direito dos Seguros, ALMEDINA.
(28) Este
diploma legal sofreu alterações através do D.L. nº 122-A/86, de 30 de Maio;
do D.L. nº 130/94, de 19 de Maio e
D.L. nº 3/96, de 25 de Janeiro.
(29) Neste
sentido cfr. SINDE MONTEIRO in Estudos
sobre a Responsabilidade Civil, Coimbra, 1983, pág. 20.
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pagamento de um prémio, se transfere o risco para a comunidade de utilizadores (30). Além disso, o seguro é uma forma de garantia da indemnização, dada a maior solvabilidade do segurador. O seguro de responsabilidade é uma outra técnica de reparação dos danos provocados às vítimas e que desempenha um papel fundamental no processo de alargamento das responsabilidades, aparecendo simultaneamente como causa e efeito, isto é, o alargamento de responsabilidades provoca por seu turno o aparecimento de novos seguros. (31)
Segundo SINDE MONTEIRO (32) o seguro de responsabilidade faz perder a esta o caracter pessoal ou individual, originando a sua colectivização ou socialização, ou seja, um método indirecto de socialização da responsabilidade (33), na terminologia de VINEY a consagrada autora francesa que cita. Esta tendência socializadora da responsabilidade se por um lado beneficia as potenciais vítimas, por outro leva a uma desresponsabilização que não deixa de trazer os seus aspectos negativos, se pensarmos em termos de prevenção da sinistralidade estradal, não esquecendo as consequências económicas e extra-patrimonias dos prejuízos resultantes dos acidentes. (34) É que, nas acções para efectivação da responsabilidade cujo montante indemnizatório se circunscreva ao montante do seguro mínimo obrigatório, existe legitimidade exclusiva da segurador e, em consequência, ilegitimidade do condutor e proprietário do veículo, sendo o que resulta do art.29º do D.L. nº 408/79, de 25 de Setembro. Assim, se quisermos uma maior responsabilização teremos de retomar o sistema do antigo Código da Estrada, que previa o litisconsórcio necessário da companhia seguradora e dos responsáveis solidários, do proprietário do veículo e respectivo condutor, quando não se tratassem das mesmas pessoas, cfr. artº 68 do Código da Estrada de 1954. Seriam com certeza os condutores e os respectivos proprietários dos veículos mais previdentes, se pensassem nos custos e incómodos de uma eventual demanda judicial (35), (36) e (37).
________________
(30) Sobre
o seguro e a tendência da reforma da responsabilidade civil, com a superação
da culpa e a sua substituição pela responsabilidade civil objectiva associada
à actividade seguradora privada, cfr. CARLO CASTRONUOVO in
La Nuova Responsabiltà Civil-Regola e Metafora, pág. 265.
(31) Para
HENRIQUE SOUSA ANTUNES in Responsabilidade
dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, pág. 327 da
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, “ o aparecimento
do Estado de Direito Social acabou com o isolamento do indivíduo e estabeleceu
o princípio da repartição dos riscos. A transformação da
responsabilidade civil em responsabilidade civil objectiva
reclama uma socialização crescente que
está na base do declínio da responsabilidade individual. Só assim se consegue
garantir ao lesado quanto à percepção de uma indemnização compensatória
pelos danos sofridos e o lesante contra os golpes
do destino.”
(32) In
obra cit. pág. 28. Ainda
segundo o ilustre autor in Reparação dos Danos em Acidentes de Trânsito,
Coimbra, 1974, pág. 36, o seguro importa porém a socialização da
responsabilidade, que, despersonalizando-se, passa de individual a colectiva.
Ela deixa de gravar, pesada e isoladamente, um património individual, para se
diluir no seio de um património colectivo formado pelos contributos de todos os
potenciais responsáveis.
(33) Método
de socialização directa da
reparação seria aquele que
consistiria na reparação dos danos sem averiguação prévia da
responsabilidade individual, através de mecanismos de reparação. Cfr. a este
propósito o acórdãos da Relação do Porto de 04-01-1990 in BMJ nº 393, pág.
653, da Relação de Lisboa de 15-12-1988 in BMJ nº 382, pág. 517 e da Relação
de Coimbra de 13-06-1989 in CJ, ano
de 1989, Tomo III, pág. 87.
(34) Sobre
as consequências económicas e extra-patrimoniais do prejuízo corporal cfr.
ANDRÉ DESSERTINE in L’evaluation
du préjudice corporel dans les pays de la CEE, LITEC, pág. 336.
(35) Sobre
a necessidade preventiva e
sancionatória, embora, a propósito da culpa
in vigilando cfr.
estudo sobre Acidentes de Viação
e Fragilidade por Menoridade de
J.C. BRANDÃO PROENÇA in Juris et de Jure nos 20 anos da Faculdade de Direito
da UCP Porto.
(36) Sobre
a prevenção do acidente e
a impunidade que o seguro
garante aos automobilistas cfr.
SINDE MONTEIRO in Estudos... pág. 155 a 158.
(37) Sobre responsabilidade Civil e Prevenção do Dano cfr. GUIDO ALPA in la responsabilità civile terza edizione aggiornata GIUFRÈ EDITORE, 2001, pág. 557 e segs que segue e resume CALABRESI na sua obra The Costs of Accidents.
2.1.4
O Fundo de Garantia Automóvel
A institucionalização do fundo de garantia automóvel é uma outra forma de socialização dos riscos provenientes da circulação de veículos motorizados e a sua criação correspondeu a uma exigência social, que segundo RENÉ SAVATIER constitui o complemento necessário do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Compete ao Fundo de Garantia satisfazer, observadas determinadas condições, as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, pelo que, a natureza jurídica da obrigação do fundo de garantia é ressarcitória e não assistêncial (38), devendo também ser reparados os danos morais (38a). É generalizada a constituição de fundos de garantia automóvel por parte das legislações dos diversos países, existindo protocolos entre os fundos de garantia de cada um dos países, tendo em vista a reparação dos danos às vítimas e os reembolsos das indemnizações entre si suportadas.
Se prejuízo do direito de regresso, o FGA satisfaz as indemnizações por morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz ou seja declarada a falência da seguradora. As lesões materiais são ainda garantidas pelo fundo quando o responsável, sendo conhecido, não seja portador de seguro válido e eficaz (39).
Constituem receitas do FGA uma percentagem dos prémios de seguro pagos pelo seguro directo do ramo automóvel, pelo que, os riscos resultantes da circulação rodoviária são suportados pela entidade que os gerou.
2.2.
Sistema no-fault
O sistema no-fault ou sistema de indemnização por acidente sem culpa, conhecido em direito comparado por no-faut system caracteriza-se por propugnar um sistema em que o seguro obrigatório, financiado pelos proprietários dos veículos motorizados, cubra todas as vítimas de um acidente de circulação sem ter em consideração a culpa do lesante ou do lesado, a não ser que hajam actuado dolosa ou intencionalmente, procurando voluntariamente o acidente. (40)
Modelo paradigma no-fault é o da Nova Zelândia que implantado em 1974, substitui as normas da responsabilidade civil, quando estejam em causa danos pessoais, por um sistema nacional de seguro que abrange toda a população e que trata de igual maneira todas as vítimas, independentemente da origem do dano e da culpa. O sistema é financiado pelos prémios
______________________
(38) GABRIEL
POSITANO e GIUSEPPE POSITANO in La
Tutela del Danno alla Persona – Aspetti giuridici, medico legali e
assicurativi, CEDAM-2001, pág. 344 que diz que o Tribunal Constitucional e,
citando jurisprudência, não obstante alguma doutrina se inclinar para a função
assistêncial da obrigação do fundo de garantia, o Tribunal considerou que tem
natureza ressarcitória, pese embora o princípio da solidariedade que o
informa, o modelo em que se inspira é o da responsabilidade aquiliana, pelo que
os lesados têm direito à reparação dos danos, inclusive os danos morais.
Referem ainda os mesmos autores que a instituição do Fundo de Garantia às Vítimas
da Estrada responde a uma exigência social de tutela do sujeito que sofreu um
prejuízo, mais ou menos grave, pela circulação de veículo não segurado ou não
identificado ou auto pirata.
(38a) MAURO
CRISCUOLO in Responsabilità Civile Auto, Ed. Giuridiche Simone, 1999, de cuja
obra se encontra um extracto em Il Nuovo Risarcimento del Danno alla Persona
negli Incidenti Stradali – Prontuário 2000 de LODOVOCO MOLINARI da CEDAM, págs.
163 a 166, também considera a natureza indemnizatória e ressarcitória do
Fundo de Garantia Automóvel, que tem como consequência a reparação por danos
morais.
(39) Cfr.
o artº 21º do D.L. nº 522/85, de 31 de Dezembro.
(40) Segundo
SINDE MONTEIRO in Estudos ... pág. 106, o sistema no-fault caracteriza-se
pela criação de
__________________________________________________________________________________________
abonados pelos automobilistas e por um imposto aplicado ao preço do petróleo. Em 1992 foi alterado o sistema pela nova Lei do Seguro de Indemnização e Reabilitação por Acidentes (Accident Rehabilitation and Compensation Insurance Act) que tem por objectivo estabelecer um seguro baseado num mecanismo para ressarcir e indemnizar de maneira equitativa e proporcionada todas as pessoas que sofreram lesões corporais. (41) A pronvíncia do Quebec também tem implantado desde 1977 um sistema no-fault que repara os danos corporais através de um sistema público a Régie de Segurança Automóvel, aplicando um sistesma tarifário ou “a forfait” e relegando a reparação dos danos materiais para o sistema de responsabilidade civil e os tribunais. (42) e (43)
Em 1 de Julho de 1979 foi implantado em Northern Territory na Austrália um sistema no-fault, sistema idêntico tinha já sido implantado no segundo maior estado australiano, ou seja, em Vitória, em 12 de Fevereiro de 1974, tendo-se-lhe seguido o território da Tasmânia. (44)
Israel em 1975 implementou também um sistema no-fault cuja característica principal é a de prever uma indemnização automática dos danos pessoais. (45)
Os ordenamentos escandinavos (Suécia, Finlândia, Noruega e Dinamarca) devido aos laços históricos comuns têm um ordenamento jurídico similar e princípios relativamente uniformes, tendo sido dos primeiras a consagrar a responsabilidade pelo risco, a Noruega fê-lo em 1926. De uma maneira genérica, pode dizer-se que os sistemas escandinavos contemplam a indemnização das vítimas em acidentes de circulação, a não ser que tenham contribuído dolosamente para o acidente ou que a sua culpa tenha sido muito grave. (46)Na década de setenta, também foram introduzidos em vinte e quatro estados federais dos Estados Unidos da América, com variantes ente si, prevendo indemnizações automáticas de pequeno montante, mas não excluindo a acção de responsabilidade civil para obtenção de indemnização por danos morais. (47) Nos restantes estados, uns adoptam a contributory negligence que consagra a teoria do tido o nada (all-or-nothing) caso tenha havido culpa ou negligência da vítima, outros a compative negligence em que se estabelece uma comparação de culpas atribuindo-se a indemnização em função das culpas concorrentes.
_____________________
um
seguro especial (público ou privado) financiado em primeira linha pelos
proprietários ou detentores de veículos, através do qual todas as
vítimas de acidentes de trânsito são
indemnizadas sem ter em consideração a culpa do lesante e do lesado,
revogando-se correspondente as regras da responsabilidade civil.
(41) Para
melhor conhecimento do sistema cfr. JOHN MICHAEL MILLER in Compensation
for Motor Vehicle Injuries in New Zealand, publicado
em LES CAHIERS DE DROIT (dedicado a Régimes de no-fault Dommages-intérêts
Assurance), vol. 39, nº 3,
Junho e Setembro de 1998, pág. 371 e segs.
(42) Sobre
o sistema implantado no Quebec e sobre as razões pelas quais não é possível
implantar um sistema semelhante no Estado da Califórnia e em outros estados
americanos, STEPHEN D. SUGARMAN in Quebec’s
Comprehensive Anto No-Fault Scheme anda the Failure of Any of no-fault
Dommages-intérêts Assurance), vol. 39, nºs e e 3, Junho e Setembro de 1998, pág.
303 e segs.
a. Ainda
sobre o sistema do Quebeq ver CLAUDE BELLEAU in L’Assurance
des dommages matériels au Quebèc et l’indemnisation directe:un régime
efficace mais encore mal compris, publicado em LES CAHIERS DE DROIT
(dedicado a Régimes de no-fault Dommages-intérêts Assurance), vol. 39, nºs e
e 3, Junho e Setembro de 1998, pág. 613 e segs
(43)Sobre
os diversos regimes australianos cfr. HAROLD LUNTZ in Compensation
for Loss of na Economic Nature: Na Australian Perspective, publicado em LES
CAHIERS DE DROIT (dedicado a Régimes de no-fault Dommages-intérêts Assurance),
vol. 39, nºs e e 3, Junho e Setembro de 1998, pág. 491 e segs
(44)SINDE
MONTEIRO in Estudos ... pág. 108
(45)
(46) Uma
síntese de cada um dos ordenamentos pode ver-se em ESTHER MONTERROSO CASADO in Responsabilidad
Civil por Accidentes de Circulación, ARAZANDI EDITORIAL, pág. 75 e segs.
(47) SINDE
MONTEIRO in Estudos ... pág. 107.
_____________________________________________________________________________________
Embora sensíveis a uma maior protecção das vítimas, pensamos que um sistema de tipo no-fault não deva ser implementado em Portugal, atentas as dificuldades experimentadas pelo sistema público de segurança social.
3.
Direito comparado
3.1.
Direito Alemão
O sistema alemão prevê quer a responsabilidade subjectiva quer a responsabilidade pelo risco. A responsabilidade por acidentes de circulação está consagrada na Lei do Tráfego por Estrada de 19 de Dezembro de 1952 (Strassenverkelhrsgesetz) mais conhecida pela sigla StVG. Este diploma determina a responsabilidade do halter, ou seja, o detentor do veículo e que é aquele que tem à sua disposição o veículo e que não passa, necessariamente, por ser o proprietário.
A StVG consagra uma presunção de responsabilidade do detentor do veículo causador do acidente, que deve responder pelo resultado danoso, sem que haja necessidade de provar a sua culpa. Dispõe assim o § 7º da lei (47):
1. O detentor de um veículo a motor está obrigado a indemnizar o prejudicado pelos danos causados pela morte uma pessoa ou pelas lesões corporais ou na saúde da mesma, e nos danos produzidos às coisas por motivo de utilização ou exploração do veículo.
2. A
responsabilidade se exclui se o acidente for devido a força maior ou a um
acontecimento inevitável não fundado na qualidade do veículo nem a uma falha
no seu funcionamento. Um acontecimento se considera inevitável quando há que o
atribuir a uma conduta do lesado ou de um terceiro não empregado na exploração,
ou de animal, e tanto o detentor como o condutor do veículo, cada um segundo as
circunstâncias do caso, hajam observado a diligência devida.
O
nº 2 estabelece uma responsabilidade pelo risco, sendo o mesmo aplicável mesmo
que não haja culpa, observando-se o princípio de que quem responde é o
detentor de uma coisa perigosa, constituindo causa de exoneração de
responsabilidade, nos casos de um acontecimento inevitável. O preceito é
interpretado muito restritivamente e a jurisprudência dificilmente exclui a
responsabilidade, porque o parâmetro da conduta não se reconduz ao padrão de
homem ou condutor médio, mas sim à de um condutor ideal. Segundo
PALANT (48) na prática alemã é muito difícil a desculpabilização do agente
no mecanismo do nº 2 do § 7, precisamente pela ideia de protecção da vítima
que persegue o legislador. Sobre a concorrência
de causas dispõe o § 9º
da StVG: Se na produção do
dano há concorrido culpa do lesado, se aplicará o §254 (50) do
BGB com a condição de que no caso de haver prejuízo numa coisa, a culpa
daquele que exercita o poder real sobre a coisa equivale auma culpa do
prejudicado. A responsabilidade por danos ocasionados é excluída quando o
acidente se produziu por um acontecimento inevitável, distinto da falha ou
defeito de funcionamento do veículo.
__________________
(48) In
ESTHER MONTERROSO CASADO, obra cit. pág. 61.
(49) In
Burgerliches Gesetzbuch, p´´ag. 297, citado por ESTHER MONTERROSO CASADO in Responsabilidade...
(50) Segundo
a tradução do BGB por EMILIO EIRANOVA ENCIMAS da MARCIAL PONS dispõe assim o
§ 254: Si qualquer tipo de
culpa por parte de la persona danada há contribuido a causar el dano, la
obligatión de indemnizar a la parte perjudicada y el alcance de la indemnización
a realizar depende de las circunstancias; sobre todo de hasta qué punto el dano
há sido causado predominantemente por una u outra parte.
____________________________________________________________________________________
O § 18 da StVG estabelece também a responsabilidade do condutor do veículo, que
deve responder nos termos do § 823 do BGB (51), mas que será afastada se não tiver havido uma conduta culpável do mesmo, respondendo pelo risco o detentor do veículo.
Em resumo, o ordenamento jurídico alemão estabelece a responsabilidade pelo risco do detentor do veículo, a responsabilidade por culpa do condutor e, quando tenha havido culpa do lesado, a culpa é apreciada segundo as circunstâncias, sendo na prática muito difícil acontecer excluir a responsabilidade do detentor do veículo, porque o legislador pretende proteger as vítimas e porque a jurisprudência exige do detentor e condutor uma conduta ideal que é sempre muito difícil de alcançar.
3.2.
Direito Belga
O direito belga que, até à recente Lei relativa à indemnização da vítima por acidente de circulação de 30 de março de 1994, a Lei Wathelet, inspirada na lei Banditer de 1985, era considerado um direito obsoleto, que previa única e exclusivamente a responsabilidade com base na culpa, constitui mais um marco protector das vítimas no quadro do direito comparado.
O ordenamento belga no que à concorrência de causas e à exclusão da responsabilidade do condutor diz respeito, distingue a culpa inexcusable e culpa leve da vítima. Quanto à culpa inexcusable ( considerada como culpa voluntária de natureza excepcionalmente grave ) entende-se que a nova Lei não se aplica à vítima, pelo que, não tem direito a qualquer indemnização. No que diz respeito à culpa leve, a legislação não distingue, assinalando a doutrina (52) que não afecta o ressarcimento da vítima.
A lei belga protege integralmente o menor de 14 anos, impedindo a possibilidade de alegar a culpa inexcusable da vítima.
3.3.
Em Espanha
A legislação especial espanhola, que distingue o condutor (53), do detentor ou proprietário do veículo, à semelhança da maioria das congéneres europeias estabelece a responsabilidade pelo risco. A Lei de Responsabilidade Civil e Seguro na Circulação de Veículos a Motor (LRCSCVM) (54) de 1995 estabelece a responsabilidade pelo risco do condutor por danos em virtude da circulação de veículos a motor e a responsabilidade do proprietário, unicamente por culpa (55), ficando exonerado de responsabilidade seempregou a diligência de um bom pai de família para prevenir o dano. No domínio da concorrência de culpas a LRCSCVM estabelece que se concorrer a negligência do condutor e a do lesado se procederá a equitativa moderação da responsabilidade e ao repartimento da
__________________
(51) Quien,
dolosa o negligentemente, de forma antijuridica dane la vida, el cuerpo, la
salud, la libertad, la propiedad u outro derecho de outra persona, está
obligado a indemnizarle qualquier dano causado por este.
(52) Cfr.
FAGNART-L’indemnization des victimes dáccidents de la circulation après
la réforme baclé du 30 mars de 1994 in Revue
Genérale des Assurances et des Responsabilités, Dez. 1994
(53) Segundo
JAIME SANTOS BRIZ in La
Responsabilidad Civil, Editorial
Montecocorvo, 7º ed., pág. 604 o
Código de Circulação e o Regulamento Geral de Circulação aludem
continuamente ao condutor como pessoa que colocam em primeiro lugar e em todas
as vicissitudes da circulação. Em caso de não coincidir na mesma pessoa os
conceitos de titular ou proprietário e condutor de um veículo, aquele funciona
como responsável civil subsidiário, tanto no aspecto substantivo civil e penal
como no administrativo.
(54) Esta
lei pode consultar-se na íntegra em www.bufetealmeida.com/legislacion/trafico/lrcs.htm
(55) Sobre
o conceito de culpa em responsabilidade civil extracontratual cfr. LUIS DÍEZ.PICASO
in La culpa en la
responsabilidad civil extracontractual publicado
em Anuário de Derecho Civil,
Tomo LIV, Fasc. III,
Jul-Set. 2001,
pág. 1009 a 1027.
(56) In
obra cit. pág. 268
quantia de indemnização, atendida a entidade respectiva das culpas concorrentes. Contudo, causa de exoneração da responsabilidade do condutor quando tenha havido danos às pessoas só existe nos termos da LRCSVM se os danos forem devidos unicamente à conduta ou à negligência do prejudicado ou a força maior estranha à condução e funcionamento do veículo, não se considerando casos de força maior os defeitos do veículo nem a rotura ou falha de alguma das suas peças ou mecanismos. Segundo ESTHER MONTERROSO CASADO (56) a doutrina (57) e a jurisprudência (58) vêm entendendo maioritariamente que o dano tem que ser devido à conduta ou negligência exclusiva do prejudicado ou da vítima em sentido mais rigoroso como é apontado, pelo que, se tal acontecer não haverá lugar a qualquer indemnização. Se não resultar provado que os danos foram devidos unicamente à actuação da vítima, o condutor do veículo ou a sua seguradora não fica exonerado da responsabilidade, sem prejuízo da possível moderação da responsabilidade e a diminuição da indemnização em função da contribuição causal de ambas as partes para o acidente (59).
Como
curiosidade e novidade do ordenamento jurídico espanhol será de referir aquela
que foi introduzida pela LRCSCVM (ao que se diz por pressão do lobby segurador)
e que diz respeito à quantificação dos danos, tanto corporais como materiais,
ocasionados como consequência da circulação de veículos a motor. A lei
estabelece que a quantificação se faça de acordo com os critérios e os
limites nela constantes, sendo publicadas em anexo tabelas de tarifação dos
danos, tendo sido objecto de controvérsia doutrinal (60) (61) e (62) e
jurisprudencial, por discriminar as vítimas de acidentes de circulação rodoviária
e as outras vítimas. Enquanto que aquelas vêm as indemnizações tabladas por
lei, que na prática são mais reduzidas, estas são fixadas livremente pelos
tribunais, dentro do prudente arbítrio do julgador. A controvérsia foi já
parcialmente sanada por acórdão do Tribunal Constitucional de 29 de Junho de
2000, que
julgou inconstitucional os factores de correcção constantes de uma tabela
anexa (63).
3.4.
Do ordenamento jurídico francês
Como se viu, ordenamento jurídico francês estabelece o regime da responsabilidade civil subjectiva ou por faut e a responsabilidade objectiva ou pelo risco. A responsabilidade subjectiva assenta no trinómio préjudice-faute-lien de causalité (64), ou seja, na terminologia
______________
(57) No
mesmo sentido e da culpa exclusiva da vítima LUIS DÍEZ.PICASO in Derecho de Daños,
CIVITAS
(58) A
sentença provincial de Cidade Real de 22 de Julho de 1998 considerou que o
atropelamento de uma criança de 3 anos por um veículo que circulava a escassos
11 Km que inrrompeu na calçada por detrás de um veículo que estava
estacionado, sendo uma praça muito concorrida onde existiam bares e esplanadas,
o condutor não extremou todas as
precauções atendendo a todas as circunstâncias;
(59) Sobre
a concorrência de culpas e abundante jurisprudência espanhola, cfr. RICARDO DE
ANGEL YAGUEZ in obra cit. pág. 814 e segs.
(60) LUIS
DÍEZ.PICASO in Derecho de Daños, CIVITAS, pág. 132
(61) ESTHER
MONTERROSO CASADO in obra cit. págs. 328 a 333.
(62) Sobre
o sistema de reparação tarifário e o princípio da restituição in
integrum cfr. FABIOLA MECO TÉBAR- La
lege Spagnola sulla Responsabilitá Civile e l’Assicurazione dei Veicoli a
Motore: Primi Balanci di una Esperienza Controversa, publicado
em Responsabilità Civile e Previdenza-Já. E Fev. de 1999.
(63) A
sentença pode ser vista na íntegra em www.bufetealmeida.com/legislacion/trafico/anulation.
html
(64) Cfr.
FRANCOIS CAHBAS in Le Droit des Accidents de la Circulation après la réforme
du 5 juillet 1985, pág. 14.
(65) Cfr.
RAYMOND LEGEAIS, pág. 42 in circulation
routière l’indemnization des victimes d’accidents, éditions
Sirey
__________________________________________________________________________________________
portuguesa dano, culpa e nexo de causalidade, condições de responsabilidade que não foram postos em causa pela Lei Banditer, daí que se lhe esteja a fazer uma breve referência.
Este tipo de responsabilidade implique uma faute intencional, dolo em matéria da responsabilidade contratual (a Lei Banditer (65) não prevê expressamente a indemnização das situações frequentes das vítimas transportadas em virtude de um contrato ) nos termos do artº 1382 e pelo menos imprudência ou negligência na
responsabilidade extracontratual conforme o artº 1383. No domínio dos acidentes de viação, tem lugar quer uma, quer a outra, embora a contratual seja aplicável quando haja um contrato com um transportador com uma obrigação determinada (obligation de résultat).
Como causas de exoneração de responsabilidade são ou eram apontadas: a força maior, facto de terceiro e a faute da vitima. A graduação das culpas era fixada em função da responsabilidade de cada uma das partes, ou seja, da gravidade das respectivas fautes, processo que a Cour de Cassation não considerava contraditório com a obrigação de procurar a parte de responsabilidade de cada pessoa (66).
3.4.1.
Jurisprudência anterior à Lei Banditer
Pode dizer-se que a Lei Banditer aprovada no seguimento da pressão jurisprudencial, por sua vez influenciada pelos estudos do Professor André Tunc e dos seus discípulos fervorosos (67) na sua cruzada, durante mais de vinte anos, a favor das vítimas de acidentes de circulação, que preconizava um sistema de reparação mais justo de todas as vítimas, constitui um marco no ordenamento jurídico francês, de tal modo que a literatura jurídica é costume referir-se aos momentos antes e depois da Lei Banditer.
3.4.1.1.
Arrêt Jand’heur
O arrêt Jand’heur de 13 de Fevereiro de 1930 da Cour de Cassation faz aplicar pela primeira vez a alínea 1ª do artº 1384 do Code Civil aos acidentes de viação estabelecendo uma presunção de responsabilidade. Já acima referimos que foi o arrêt Teffaine de 1896, que descobriu e autonomizou na al. 1ª do artº 1384º do Code a responsabilidade du fait des choses, consagrando a teoria do risco e, conjuntamente com o arrêt Calmes do Conselho de Estado, inventaram o estatuto dos acidentes de trabalho antecipando-se à intervenção do legislador em 9 de Abril de 1898.
Reza
assim a doutrina do Arrêt Jand’heur: << Vu
l’article 1384, alinéa 1ª du Code civil: Attendu que la présonption de
responsabilité établie par cet article à l’encontre de celui qui a sous sa
garde une chose inanimé qui a causé un dommmage à autrui, ne peut être détruit
que par la preuve d’un cas fortuit ou de force majeur ou d’une cause étrangère
qui ne lui soit imputable ; qu’il ne suffit pas de prouver qu’il n’a
commis aucune faute ou que la cause du fait dommageable est demeuré
inconnue>>.
Depois
do arrêt Jand’heur continuou
a discutir-se se havia lugar à exoneração parcial por facto ou falta da vítima.
Por arrêts posteriores
(1934 e 1936) a Cour corrigiu o entendimento rigoroso doarrêt Jand’heur e
introduziu a exoneração parcial por falta estranha
(cause étrangère) totalmente exoneratória. Então, quando a vítima
fosse uma criança era raro que a sua falta fosse considerada imprevisível.
No seguimento da jurisprudência do arrêt Jand’heur, segundo FRANCOIS CAHABAS a exoneração total da vítima é um facto muito raro.
__________________
(66) Cfr. FRANCOIS CHABAS obra cit. pág
(67) Cfr.
RAYMOND LEGEAIS, obra cit. pág. 2
Em 20 de Janeiro de 1961, bruscamente a Cour decide que a simples falta da vítima, ainda que não fautif, podia exonerar parcialmente o gardien ou seja, o condutor ou proprietário do veículo, instaurando-se a confusão na jurisprudência.
M. Durry citado por F. Chabas (68) refere também uma grande desordem nesta matéria já que, a Cour de Cassation funciona como terceiro grau de jurisdição. Sublinha
ainda o mesmo autor a grande preocupação pelas vítimas mais expostas ao perigo, nomeadamente, os peões entre os quais é dedicado um lugar privilegiado às crianças.
3.4.1.2.
Arrêt Desmares
Em
22 de Julho de 1982 a 2ª Câmara Civil da Cour
de cassation no caso
Desmares tirava um arrêt impondo
o princípio que
só um acontecimento constituindo um caso de força maior exonerava o condutor
“gardien” da coisa instrumento do dano da responsabilidade por ele incorrida
por aplicação do artº 1384º, alínea primeira, do Code Civil; que, perante o
comportamento da vítima, se não tenha sido para o “gardien” imprevisível
e irresistível, não o pode exonerar mesmo parcialmente. Certa
doutrina interroga-se, se isto mesmo não estava já sugerido pelo arrêt
Jand’heur (69).
Mas, naquele mesmo dia e câmara foi tirado um segundo arrêt no caso Guillaume, em que a vítima, uma criança que tinha tido um comportamento fautif, o autor do acidente tinha também entrado em faute, aplicando-se o artº 1382 e, tratando-se de apreciar a responsabilidade subjectiva do “défendeur”, não foi condenado a não ser numa indemnização parcial. No arrêt Desmares não se tinha apurado a responsabilidade do autor do acidente (responsabilidade objectiva), as vítimas eram. dois adultos que também tinham tido comportamento fautif no acidente, mas foram integralmente indemnizadas.
A
evolução, a incerteza e até a revolta (70)
criada pela provocação (71),
(72)
_____________
(68) Obra
cit. pág.
(69) JEAN
CARBONNIER in DROIT CIVL-Tome 4 Les
Obligations, 21ª edition refondue, PUF, pág.
455 considera que é um
« arrêt important, provocant,
on revenait à la riguer originelle de la responsabilité objective: seule
une force majeure pouvait neutraliser cette responsabilité ; donc la faute
victime n’exonéreait le gardien que si presentaiet les caractères d’une
force majeure, et elle l’exonereait alors pour le tout. L’imprudence d’un
piéton à laquelle l’autaumobiliste pouvait s’attendre (parce qu’elle est
fréquente ?) ou à laquelle, en touit cas, il pouvait parer (en restant
maitre de sa vitesse) ne devait pas jouer à son profit comme une sorte de
circonstance atténuante, justifiant un d’indemnité ».
(70) O arrêt terá
provocado a resistência e a revolta de uma parte significativa dos juizes de
primeira instância ou “juges
du fond” cfr.
FRÉDERRIC POLLAUD-DULIAN in L’
Appel à la Réforme Législative Selon la Cour de Cassation ,
ANO 2002-3, pág. 1145 e segs.
(71) Segundo
FRÉDERRIC POLLAUD-DULIAN in L’
Appel à la Réforme Législative Selon la Cour de Cassation - Regard
civiliste sur un aspect de la séparation des pouvoirs, publicado em DROIT
PROSPECTIF, ANO 2002-3, pág. 1145 o arrêt
de provocation ou método
duro é a par do método
doce (douce) uma das formas
de colaboração entre o poder judicial e o poder legislativo. O método
doce ou As
Sugestões do Relatório Anual da Cour de Cassation surgiu
com o decreto de 22 de Dezembro de 1967 que regulamentou
o artº 131-13 do Código de organização judiciária, tomando a iniciativa de
solicitar à Cour de
cassation um relatório
anual em que indique as dificuldades que encontre e as melhorias legislativas e
regulamentares tidas por convenientes e a introduzir. O método
duro ou do arrêt
de provocation consiste em a
Cour adoptar ou desenhar uma solução chocante, maximalista, excessiva, anormal,
a fim de provocar uma intervenção legislativa, que ela estima necessária. A
provocação é em primeiro lugar uma provocação à reforma, que se destina a
alertar o legislador e a que a ele principalmente se dirige. O arrêt
Teffaine de 16 de Junho de 1896 que antecipou a Lei dos Acidentes de Trabalho de
1898 é considerado o
primeiro arrêt provocation,
seguido do arrêt Jand’heur de 1930, depois do arrêt
Desmares e
últimamente do “arrêt Perruche” da
Assembleia Plenária da Cour de 17 de Novembro de 2000, que chamou à atenção
para as crianças handicapés e
seus familiares e veio a provocar alterações legislativas na Lei de 4 de Maio
de 2002 relativa aos direitos dos doentes e à qualidade do sistema de saúde. Sobre
o arrêt Perrouche ver
Marie-Pierre LAMOUR, Des cas où l’on répare les dommages que l’on n’a
pas causés, publicado in DROIT
PROSPECTIF, ANO 2002-3, pág. 1237.
__________________________________________________________________________________________
jurisprudencial levou a que o legislador tivesse que intervir (73).
3.4.2.
Lei Banditer ou Lei de 5 de Julho de 1985
A
lei Banditer que
assenta num postulado prático que é o da existência do seguro obrigatório,
passando a seguradora à primeira linha da responsabilidade sendo o diploma
concebido na perspectiva da vitima e não do responsável. A
filosofia subjacente ao diploma, que historicamente se traduziu no movimento de
ajuda a todas as vítimas, assenta já não na responsabilidade civil, ou seja,
na obrigação de indemnizar do
responsável (preconizada pelo Código Civil) pelo acidente mas no direito que a
vítima tem à reparação, o direito
à reparação da vítima. Este
deslocar do centro das atenções da pessoa do responsável do acidente que
transferiu a sua responsabilidade civil obrigatoriamente para uma companhia
seguradora, para a pessoa da vítima de acidente com o direito subjectivo à
reparação, tem reflexos positivos na pessoa da vítima ( jurídicos e psicológicos),
como aquele em que a seguradora estar desde logo obrigada a fazer uma proposta
de indemnização. A lei Banditer traça uma linha separativa entre os
condutores dos veículos a motor e todas as outras pessoas: peões, ciclistas,
passageiros. Estas sendo vítimas de acidente são tratadas mais favoravelmente
que os condutores ( les
mal-aimés de la loi nouvelle, segundo a expressão de FRANÇOIS TERRÉ),
que eles próprios são as vítimas mais frequentes de acidente de circulação.
Segundo FHILIPPE LE TOURNEUA (74) a lei Banditer é mais uma lei de indemnização do que uma lei de responsabilidade (son titre même entend le dire) se bem que, a responsabilidade não seja afastada por completo (75).
Pela lei são indemnizadas todas as vítimas de danos pessoais, a não ser que se lhe possa opor a própria culpa, culpa inexcusable e que seja causa exclusiva do acidente, sendo esta entendida como um comportamento anti-social muito grave no contexto da circulação.
Independentemente
de culpa inexcusable são
indemnizados todos os indivíduos menores de 16 anos e com idade superior a 70
anos, e, independentemente da idade, desde que sejam portadores de deficiência
igual ou superior a 80%, a não
ser que a vítima tenha procurado voluntariamente o dano.
_________________
a. Ainda
sobre o “arrêt Perruche” ver “DÉBAT
AUTOR DE L’AFFAIRE PERRUCHE” in Droits-Revue
Française de Théorie, de Fhilosophie et de Culture Juridiques, nº 35, PUF :
i. MURIEL
FABRE-MAGHAN em L’
Affaire Perruche: pour une troisiéme voie;
ii. ALAINN
SÉRIAUX em Morales sur
Perruche;
iii. BERNARD
EDELMAN em L’Arrêt
Perruche: Une Liberté pour la Mort ?
b. FRANÇOIS
TERRÉ in Droit Civil Les
Obligations, Dalloz-2002, pág. 887, também caracteriza o arrêt Desmares
como <<un arrêt provocateur>> e que a <<Cour de cassation
rende des arrêts provocateurs destinés à hater une réforme législative>>.
(72) JEAN
CARBONNIER in DROIT CIVL-Tome
4 Les Personnes, PUF, pág.
27 defende que a concepção do julgamento não se cinge à simples aplicação
das regras de direito segundo o silogismo judiciário, admitindo que o juiz seja
um criador do direito, não um simples intérprete, e isto, caso não encontre
no ordenamento jurídico uma norma adequada ao caso concreto, agindo “comme
s’il avait à faire acte de législateur”. No caso Desmares foi-se para
lá do pensamento do autor.
(73) JEAN
CARBONNIER in DROIT CIVL-Tome
1 Les Obligations, 21ª edition refondue, PUF, pág.
457 e segs.
(74) In Droit
de la Responsabilité, 1996, DALLOZ, pág. 779.
(75) SUZANNE
CARVAL in La responsabilité
Civile dans sa Fonction de Peine Privée, L.G.D.J., pág. 297, a propósito
da faute contributiva
da vítima determinar uma redução da indemnização seja qual for a gravidade
e natureza do prejuízo, como forma de sancionar os indivíduos que pela sua
culpa, hajam contribuído para a realização do seu próprio dano, faz o
seguinte comentário da Lei Banditer: on
remarque également qu’un texte aussi généreux que la loi du 5 de juillet
1985 n’a pas totalement rompu avec cette logique et qu’il fait toujours une
part à la répression des fautes commises par les victimes d’accidents de la
circulation.
3.5.
Na Holanda
A Lei de Circulação de Veículos holandesa (Wegenverkeerswet) estabelece a responsabilidade do condutor que cause danos a terceiros, excepto se o acidente se produza como consequência de força maior.
A lei holandesa é especialmente protectora dos menores de 14 anos (76), não constituindo exoneração do condutor a não ser a conduta dolosa ou imprudência temerária.
Segundo ESTHER MONTERROSO CASADO (77) que cita jurisprudência e doutrina, a orientação da jurisprudência holandesa actual tende praticamente à total eliminação da culpa como requisito de responsabilidade por acidentes de circulação.
3.6.
No ordenamento jurídico italiano
O sistema italiano está, fundamentalmente consagrado no artº2054 do Codice. Esta disposição, com excepção dos veículos que circulam sobre carris, aplica-se a todos os veículos mesmo que não sejam a motor e é interpretado no sentido da presunção da culpa do condutor (78).
O proprietário do veículo ou em seu lugar o usufrutuário ou o adquirente com reserva de propriedade, o locatário e o comodatário são responsáveis solidários com o condutor, excepto se provarem que a circulação do veículo foi feita contra a sua vontade.
A culpa da vítima constitui causa de exoneração da responsabilidade, sendo as respectivas culpas apreciadas e repartidas de acordo com a respectiva gravidade, e isto, nos termos do artº 2055 do Codice (79).
O seguro de responsabilidade civil obrigatória derivada da circulação de veículos a motor e embarcações data de 24 de Dezembro de 1969, aprovado pela Lei 990 e abrange o dano às pessoas causado aos ocupantes seja qual for o titulo pelo qual sejam transportadas, bem como abrange os danos provocados pelo veículo, mesmo que seja utilizado contra a vontade do seu proprietário ou detentor. Esta mesma lei prevê um Fundo de Garantia para as Vítimas da Estrada que as indemnizará caso os danos sejam provocados por um veículo não identificado (um auto pirata), não tenha seguro válido ou a seguradora entre em processo de falência.
O sistema italiano é particularmente protector em termos de reparação de danos, constituindo a jurisprudência italiana, por influência da francesa, uma das mais inovadoras. A reparação do dano biológico (80) (81) ou dano à saúde teve lugar num tribunal de Génova em
________________
(76) Sobre a protecção de menores noutros ordenamentos jurídicos cfr. J. C. BRANDÃO PROENÇA in Acidentes de Viação e Fragilidade por Menoridade, publicado na JURIS ET DE JURE nos 20 anos da Faculdade de Direito da UCP/PORTO, pág. 95 e segs.
(77) In
obra cit. pág. 68.
(78) GIORGIO
CIAN e ALBERTO TRABÚCCHI in Commentario
Breve al Codice Civile CEDAM-1988, artº
2055 dizem que em caso de acidente estradal e, em caso do evento danoso resultar
da presunção do artº 2054 não há lugar ao ressarcimento do dano não
patrimonial.
(79) Cfr.
GIORGIO CIAN e ALBERTO TRABÚCCHI in Commentario
Breve al Codice Civile CEDAM-1988.
(80) DOMENICO
BELLANTONI in Lesione dei Diritti della Persona, CEDAM-2000, pág. 307 refere
que segundo a Corte de Cassazione dano
biológico é o evento
constitutivo do facto lesivo da saúde, que se contrapõe ao dano patrimonial e
ao dano moral, qual dano consequência, isto é, a consequência danosa
“legate all’intero” do facto ilícito de um ulterior nexo da causalidade.
(81) Para
LODOVICO MOLINARI in pbra cit. pág. 200 dano
biológico é qualquer
alteração temporária ou permanente do estado de saúde da pessoa, alteração
que a impede de viver ou gozar a vida na estrita medida em que a vivia antes do
evento lesivo.
__________________________________________________________________________________________
25 de Maio de 1974, a propósito de um acidente estradal, tendo sido seguido de um conjunto de outras decisões inovadoras (82). O dano biológico dano não patrimonial ressarcível segundo G. POSITANO (83) foi uma resposta do Tribunal de Génova de superar a iniquidade determinada pelo rígido parâmetro da pensão percebida pelo sinistrado laboral e sob a base de uma nova imposição médico-legal. A determinação jurisprudencial levou a uma alteração legislativa consubstanciada na Lei de 23 de Fevereiro de 2000, onde o legislador vem consagrar a reparação do dano biológico ou dano à saúde no âmbito da reparação por acidentes de trabalho, não previsto no texto legal especial, alargando-se, assim, o montante da indemnização aos sinistrados (84) (85). O diploma em causa é considerado mais uma etapa fundamental para a realização de um sistema de tutela integral contra o risco no trabalho (86).
Além das alterações efectuadas em termos de reparação do dano biológico por acidentes de trabalho, está prevista uma alteração aos artºs 2056 e 2059 do Codice Civile, consagrando a reparação do dano biológico ou dano à saúde, tendo uma proposta da nova disciplina já sido aprovada em Conselho de Ministros em 4 de Junho de 1999, bem como, os critérios de determinação e ressarcimento do dano biológico (87).
O art. 2043 do Código Civil italiano ao referir-se ao <<dano injusto>> tem sido particularmente propenso à criação doutrinal e jurisprudencial (88). O dano da perda da chance (la perdita della chance) é um dos novos danos que encontra protecção segundo a hodierna leitura que é feita da referida fatispecie ( 89). Nova categoria ressarcitória é
_________________
(82) Cfr.
GABRIEL POSITANO e GIUSUPE POSITANO in obra cit. pág. 51, que refere as decisões
20 de Outubro de 1975 e 15 de Dezembro de 1976. Segundo o tribunal genovês,
citado por estes autores, a lesão “non incidino solo ed esclusivamente sulla
attività lavorativa,ma anche su tutte le altre
componenti della actività humana”, e isto, de acordo com uma interpretação
extensiva do artº 2043 do Codice com referência ao artº 32 da Constituição.
(83) In
obra cit. Pág. 50.
(84) In La
valutazione del Danno alla Salute de
BARGAGNA e F.D. BUSNELLI, CEDAM, 2001, pág. 242 pode ler-se: Proprio con
riguardo a quest’ultima figura di danno si completa la definizione dei nuovi
indennizi corrisposti dall’ente previdenziale: per le menomazioni di grado
pari o superiore al 16 per cento è infatti prevista, oltre alla rendita
calcolata sulla base della <<tabella danno biológico>>,
l’erogazione di un’ulteriore quota di rendita atta a ristorare le
<<conseguenze ... delle menomazioni>> e, tra queste, quelle di
carattere patrimonial dell’infortunio o della malattia professionale. Questa
somma aggiuntiva è commisurata ad alcuni indici, quali il grado della
menomazione e una percentuale della retribuizione dell’assicurato, determinata
secondo i coeficienti contenuti nella relativa tabella, che specifica tali
percentuali << in relazione alla categoria di attività lavorativa di
appartenenza dell’assicurato e alla ricollocabilità dello stesso>>.
(85) Sobre
o “quantum” indemnizatório no dano à saúde cfr. Responsabilità
Civile e Previdenza, Julho-Outubro
de 1999, pág. 1104.
(86) Cfr. GENNARO FERRARI e GIULIA FERRARI in Infortuni sul Lavoro e Malattie Professionali, pág. 11, 4ª ed. CEDAM-2002.
(87) Cfr.
PATRICIA ZIVIZ-Una Nuova Disciplina in Tema di Danno alla Persona: Prime
impressioni sulla Proposta di Riforma Approvata dal Governo in Responsabilità
Civile e Previdenza, Maio e
Junho de 1999.
(88) A
orientação jurisprudencial ainda que contraditória durante da década de 80, foi
consolidada no acórdão da Corte de Cassazione em reunião das câmaras ou secções
cíveis de 22 de Julho de 1999, considerou: << la probabilità effettiva e
congrua di conseguire un certo bene, è anch’essa un bene patrimoniale,
economicamente e giuridicamente valutabile, la cui perdida produce un danno
attuale e risarcibile qualora ne sai provata la sussistenza anche secondo un
calcolo di probabilità o per presunzioni se, cioè. Possa essere dimostrata com
certezza pur soltanto relativa, e non assoluta, ma come tale
sufficiente>>. Cfr. UGO CARNEVALI in Lesione
du un Iteresse Legitimo e Danno Risarcibile: La Peridita Della Chance,
publicado Responsabilità Civile e Previdenza de Maio/Junho de 2000, pág. 580.
(89) Cfr.
UGO CARNEVALI in Lesione du
un Iteresse Legitimo e Danno Risarcibile: La Peridita Della Chance,
publicado Responsabilità Civile e Previdenza de Maio/Junho de 2000, pág. 567 e
segs.
__________________________________________________________________________________________
sem dúvida o dano existencial, que segundo o magistrado MARCO ROSSETI (90) corresponde a uma perda de uma actividade da existência, a qual constitua expressão de um direito constitucionalmente protegido ou relevante para o ordenamento jurídico. Como exemplos do dano existencial são dados a lesão ao bom nome, da honra e reputação não derivada de crime ( o caso do indivíduo que se vê forçado a renunciar ao convívio dos amigos), lesão da saúde de conduta presumida ou pelo risco e não baseada na culpa; protesto ilegítimo de letra de câmbio.
Para EMANUELA NAVARRETA (91) a categoria do dano existencial é teorizada invocando a dignidade constitucional do homem, cuja dignidade pode ser afectada no plano do existir ou puro agir, devendo a sua afectação ser ressarcível. A categoria do dano existencial não basta referir-se a ideia do prejuízo como mero reflexo negativo sob a espera do fazer e do agir, mas deve abraçar, antes de mais, omal-estar existencial e psicológico com que a vítima deve conviver como consequência do evento lesivo, a pior qualidade de vida que não pode reduzir-se a um simples não poder fazer.
A nova categoria, conceptualmente ainda não bem definida, que se confunde com o dano moral, está ainda longe de ser aceite pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência (92), mas estou convicto, encontrará o caminho certo com a leitura e o estudo das obras dos filósofos existencialistas que fizeram escola no já século passado.
3.7.
Direito Suíço
O art. 41 do Código das obrigações estabelece o princípio da responsabilidade por culpa, mas existe legislação especial sobre matéria de circulação de veículos a motor desde 1932, que estabelece a responsabilidade civil objectiva e seguro obrigatório, datando a sua ultima alteração de 1980 (93). Nos termos do art. 59 da lei suíça o detentor do veículo só fica exonerado exonera de responsabilidade em caso de força maior, culpa de terceiro ou culpa grave da vítima, sempre que não haja culpa do mesmo detentor ou um defeito do veículo não haja contribuído para o acidente (94). Os ocupantes do veículo, são considerados terceiros e como tal totalmente protegidos, mesmo que exista culpa dos mesmos. Do mesmo modo os peões e os ciclistas também são totalmente protegidos, sendo irrelevante a culpa dos mesmos.
A concorrência de causas está regulada no artº 44 do Código das obrigações que estabelece: se o lesado há consentido no dano ou concorrem circunstâncias que hajam contribuído para originar ou aumentar o dano ou a agravar a posição do agente, poderá o juiz reduzir o dever de indemnizar ou mesmo excluí-lo. Também o juiz poderá reduzir a obrigação de indemnizar quando, tratando-se de danos não culposos nem dolosos, o obrigado se veria numa situação de necessidade no caso de ter de pagar toda a indemnização. Em consonância com esta disposição a Lei do tráfico rodoviário permite a redução da indemnização por danos na proporção da culpa da vítima. Existe seguro de responsabilidade civil obrigatória para as bicicletas e ciclomotores e a Confederação responde nos termos semelhantes ao fundo de garantia existente noutros ordenamentos jurídicos (95).
____________________________
(90) In
Danno Esistenzial tra l’art. 2043 e l’art. 2059 C.C. publicado em
Responsabilità Civile e Previdenza de Julho/Outubro de 2001, pág. 809.
(91) In
Il Danno alla Persona tra Solidarietà e Tolleranza publicado em Responsabilità
Civile e Previdenza de Julho/Outubro de 2001, pág. 789 e 796.
(92) Cfr.
PATRIZIA ZIVIZ in Equivoci da Sfatare sul Danno Esistenziale publicado em
Responsabilità Civile e Previdenza de Julho/Outubro de 2001, pág. 817.
(93) FRANÇOIS
CHABAS in obra cit. pág. 51.
(94) SZOLLOSKY:
Some Characteristics of the Swiss Approach, en ORDERETZ y TIDEFELT: Compensation
for Personal Injury ( in Sweden anda other Countries). Estocolmo,
Juristfortlaget, 1988, pág. 229 citado por ESTHER MONTERROSO CASADO in obra
cit. pág. 69. ).
a. No
ordenamento SUECO ver SINDE MONTEIRO in CJ, ANO XI, TOMO 4, pág. 9 e segs.
__________________________________________________________________________________________
4.
Evolução legislativa
Nota: Por
razões que parecem óbvias, omite-se neste local, o restante estudo, dando-se
também a conhecer as conclusões. Os interessados podem solicitar ao seu autor
uma versão integral e impressa.
____________________________________________________________________________________________________
5. Conclusões
1ª
- A crescente socialização
dos riscos e o princípio de
que deve ser a comunidade dos detentores dos veículos de circulação
terrestre, quem deve reparar os danos resultantes da circulação, faz do seguro
obrigatório de responsabilidade civil automóvel introduzido no ano de 1918 e
tornado obrigatório pelo D.L. nº 408/79, de 25 de Setembro, o mais importante
mecanismo de reparação dos danos.
2ª
- A responsabilidade pelo risco decorrente da circulação de veículos
terrestres foi consagrada no primeiro Código da Estrada, facto que foi
reafirmado pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1933.
3º - O acórdão do STJ de 4 de Abril de 1933, em que foram apreciados dois acórdãos contraditórios, um que defendia o Código da Estrada de 1930 consagrar o princípio da responsabilidade pela culpa e o outro o princípio da responsabilidade objectiva ou pelo risco, decidiu que era esta última que consagrava e tirou assento com a seguinte redacção: A reparação dos prejuízos por desastre de viação em qualquer meio de transporte é devida, sempre que o desastre não fôr imputável ao lesado ou a terceiro ou a força maior estranha ao funcionamento do veículo.
3ª
- A exclusão da responsabilidade do detentor do veículo, por força do Código
da Estrada de 1930 e do assento de 1933 só
ocorria quando o acidente fosse imputável
a titulo de dolo ou de culpa do lesado ou de terceiro ou em caso de força maior (
conforme dispunha o artº 140.º do Código da Estrada de 1930), caso em que o
acidentado fosse um menor de 7 anos, nunca haveria lugar à exclusão da responsabilidade
objectiva do detentor do veículo, em
virtude da inimputabilidade do lesado.
4ª
- O texto do assento de 1933 foi vertido para o artº 54º do Código da Estrada
de 1954 e deste para o artº 505º do Código Civil, sendo jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça, até ao ano de 1960, das mais
protectoras da vítima de acidente dos países europeus, acompanhando, neste
desiderato, sobretudo a jurisprudência francesa e alemã.
5ª
- Desde 1960, que progressivamente a jurisprudência do Supremo Tribunal, vem
inflectindo na orientação protectora até então seguida, fazendo-se eco da
doutrina clássica e oitocentista da responsabilidade civil e baseada na culpa,
e isto, quando outros países percorriam o caminho protector atento os
objectivos do Estado Social, tendo a última decisão relevante nessa tendência
retrógrada, sido vertida no assento
1/80, que exclui o campo de aplicação do
artº 493º, nº 2 do Código Civil aos acidentes de viação.
6ª - Iniciando o texto do artº 505.º do Código Civil com a remissão para o artº 570.º, a expressão <<imputável ao próprio lesado>> como causa de exclusão da responsabilidade, conforme o sentido do assento de 4 de Abril de 1933 só pode querer significar que é imputável a titulo de dolo ou intencional. Se o acidente for causado a titulo de dolo, a responsabilidade deve ter-se por excluída, porque o mesmo é produto de um acto deliberado e de vontade da vítima. Se não for um acto doloso, por remissão do artº 505º funciona o comando do artº 570º do Código Civil, atribuindo-se a indemnização de acordo com o contributo causal do acidente, grau de culpa da vítima e grau do risco do veículo, podendo mesmo ser excluída se a culpa do lesado tiver sido muito grave.
7ª - O modo como estão a ser aplicados os artºs 493º, nº 2 e 505º do Código Civil são discriminatórios das vítimas de acidentes de viação, pondo em causa o artº 13º, nº 1 da CRP.
_________________________________________________________________
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__________________________________________________________________________________________
JURISPRUDÊNCIA
PORTUGUESA CITADA
Supremo Tribunal de Justiça
Ac.STJ
de 13 de Novembro de 1931
Ac.
STJ de 14/10/1982 in BMJ, nº 320, pág. 422
Ac.
do STJ de 12/01/1983, publicado no BMJ nº 323.
Ac.
do STJ de 6/03/1980 in BMJ, nº 295, pág. 369 (comodato)
Ac.
do STJ de 25/02/1982, in BMJ, nº 314, pág. 298 (comodato)
Ac.
STJ de 27 de Outubro de 1988, in BMJ, nº 380, pág. 469 (comodato)
Ac.
do STJ de 15/06/1983 in BMJ, nº 328, pág. 559 (comodato)
Ac.
STJ de 25/10/1983 de 25 de Outubro de 1983 in BMJ nº 330, pág. 511. (comodato)
Ac.
STJ de 16 de Julho de 1971, in BMJ, nº 209, pág. 111 (locatário)
Ac.
STJ de 12 de Janeiro de 1983, in BMJ nº 323, pág. 360, (utilização do veículo
no próprio interesse)
Ac.
STJ in BMJ nº 289, pág. 298 (empréstimo do carro ao filho)
Ac.
STJ de 28/06/1979 in BMJ nº 288, pág. 394 (automóvel em reparação)
Ac.
STJ de 10/01/1980 in BMJ nº 293, pág. 266 (automóvel em reparação)
Ac.
STJ de 21/10/1992 in CJ, Ano XVII, 1992, Tomo IV, pág. 25 (FGA)
Ac.
STJ de 6 de Março de 1985, BMJ bº 345, pág. 386 (responsabilidade do comissário)
Ac.
STJ de 27 de Junho de 1984, BMJ nº 338, pág. 402 (responsabilidade do comissário)
Ac.
STJ de 17-03-1973 BMJ nºs 299 a págs. 160 (presunção de culpa do condutor)
Ac.
STJ de 24-11-1977 BMJ nº 271 pág. 229 (presunção de culpa do condutor)
Ac.
STJ 19-10-1978 BMJ nº , 280, pág. 272 (presunção de culpa do condutor)
Ac.
STJ de 19-03-1980 BMJ nº 295 pág. 386 (presunção de culpa do condutor)
Ac.
STJ de 6 de Março de 1985, BMJ bº 345, pág. 386 (culpa presumida e limites máximos)
Ac.
STJ de 27 de Junho de 1984, BMJ nº 338, pág. 402 (culpa presumida e limites máximos)
Ac.
STJ de 17 de Dezembro de 1985 in BMJ nº 352, pág. 329 (culpa
presumida e limites máximos)
Ac.
STJ assento
de 2 de Março de 1994 BMJ
nº 435, pág. 40 (culpa presumida e limites máximos)
Ac.
do STJ de 19 de Março de 1980 in BMJ nº 295, pág. 386. (direito regresso
comitente)
Ac.
do STJ de 08-05-19661996 in CJ, ano IV, STJ, 1996, Tomo II, pág. 253. (culpa
aquiliana do comissário)
Ac.
STJ de 21-02-1980 in BMJ nº 294, pág. 321 (constituir causa de força
maior)
Ac.
STJ de 14-06-1966 publicado na Rev. Leg. Jurisprudência ano 99, pág. 361
(culpa do lesado)
Ac
STJ. de 11-12-1970 in BMJ nº 202, pág. 190 (risco do veículo e culpa do
lesado)
Ac.
STJ de 19-01-1977 in BMJ nº 263, pág. 250 (risco do veículo e culpa do
lesado)
Ac.
STJ de 02-03-1978 in BMJ nº 275, pág. 109 (risco do veículo e culpa do
lesado)
Ac.
STJ de 07-11-1978 in BMJ nº 281, pág. 291 (risco do veículo e culpa do
lesado)
Ac.
STJ de 18-05-1989 in BMJ nº 387, pág. 553 (risco do veículo e culpa do
lesado)
Ac.
STA de 29-06-1972, BMJ nº 220, pág. 197 (abertura de uma vala na rua de uma
cidade
actividade
perigosa)
Ac.
STJ de 07-07-1994, in CJ-STJ, Ano II, 1994, Tomo III, pág. 47 ( o lançamento
de foguetes simples
ou
de artifício actividade perigosa)
Ac.
STJ de 12-12-1995, in CJ-STJ, Ano II, Tomo III, pág. 153 (uma
<<caterpilar>> é um veículo cuja
actividade
de funcionamento é perigosa).
Ac.
STJ de 06-04-1995 in BMJ nº 446, pág. 217 (o emprego de compressor actividade
Perigosa)
Ac.
STJ de 27 de Março de 1979 in BMJ nº 285, pág. 304 (a utilização de
locomotiva a carvão em época
quente,
constitui uma actividade perigosa )
.Ac.
STJ de 24-03-1977 in BMJ nº 265, pág. 233 guarda de matérias inflamáveis é
uma actividade perigosa).
Ac.
do STJ in CJ (STJ), Ano VII-2000, Tomo III, pág. 170 (Atravessar uma Estrada
Nacional com quatro bovinos existe perigosidade na actividade).
Tribunal da Relação de Coimbra
Ac.
de 13-06-1989 in CJ, ano
de 1989, Tomo III, pág. 87.
Ac.
de 9 de Outubro de 1970 in BMJ nº 200, pág. 294, a doença
súbita de um condutor.
Tribunal da Relação de Lisboa
Ac.
de 3 de Novembro de 1978, CJ, ano II, Tomo 5, pág. 1529. (direcção efectiva
do veículo)
Ac.
de 14/07/1999 in CJ, Ano XXIV, 1999, Tomo IV, pág. 143 (automóvel em reparação)
Tribunal da Relação do Porto
Ac.
de 04-01-1990 in BMJ nº 393, pág. 653.
Ac.
de 5 de Abril de 1972, sumário in BMJ, nº 216, pág. 200 (locador e locatário)
Ac.
de 6/02/1991 in CJ, XVI, tomo I, pág. 265 (automóvel em reparação)
Ac.
de 20 de Março de 1968 in Jurisprudência Relações, 14º, 497, dizia que a
expressão <<imputável ao lesado ou a terceiro>>.
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Índice
Modo de citar e abreviaturas 1.Delimitação do objecto e método de investigação 2. Sistemas de reparação de danos por acidente de viação 2.1. Sistemas de responsabilidade civil 2.1.1. Introdução 2.1.2.
Responsabilidade civil dilitual subjectiva ou aquiliana 2.1.3. Responsabilidade objectiva ou pelo risco 2.1.4. O seguro de responsabilidade civil 2.1.5. O Fundo de Garantia Automóvel 2.2. Sistemas no-fault 3. Direito comparado 3.1. Direito Alemão 3.2. Direito Belga 3.3. Em Espanha 3.4. Do ordenamento jurídico francês 3.4.1. Jurisprudência anterior à Lei Banditer 3.4.1.1.
Arrêt Jand’heur 3.4.1.2.
Arrêt Desmares 3.4.2. Lei Banditer ou Lei de 5 de Julho de 1985 3.5. Na Holanda 3.6. No ordenamento jurídico italiano 3.7. Direito Suíço 4. Evolução legislativa 5. Responsabilidade pelo risco em acidentes causados por veículos de circulação terrestre 5.1. Responsabilidade do detentor do veículo 5.1.1. Elemento da direcção efectiva 5.1.2.
Elemento da utilização
no próprio interesse 5.2 Responsabilidade do condutor por conta de outrem ou comissário 5.3. Causas de exclusão da responsabilidade 5.3.1. Imputabilidade do acidente ao próprio lesado 5.3.1.1. Tese clássica e sua crítica 5.3.1.2. Teses hodiernas protectoras das vítimas 5.3.1.3. A concorrência de causas 5.3.1.3.1. Teorias e critérios de imputação dos danos 5.3.1.3.2. A circulação viária como actividade perigosa e os riscos do veículo 5.3.1.3.2.1. Crítica ao assento 1/80 5.3.1.3.3. O facto do lesado culposo ou não culposo 5.3.1.3.4. O direito do lesado ser indemnizado por facto que lhe seja culposamente imputável 5.4. Da necessidade de uma corrente jurisprudencial mais sensível à fragilidade humana 5.5. Ou as propostas de iure constituendo 6. CONCLUSÕES Bibliografia Jurisprudência portuguesa citada Índice |
1 2 3 3 3 4 5 7 9 9 11 11 12 12 13 14 14 15 16 17 17 19 20 23 23 25 26 28 30 33 33 37 44 45 46 50 52 53 54 55 57 58 63 65 |